19 de maio de 2010

O Enamorado e A Estrela de Seis Pontas





O Arcano nº 6 do Tarot possui algumas variações.

Nos tarots clássicos, há a figura de um jovem entre duas mulheres e Cupido apontando sua flecha para a cena; em alguns tarots modernos, transculturais e surrealistas pode haver tanto a figura do casal com o Cupido ou um anjo acima deles ou apenas a presença do casal numa paisagem radiante.

Como se vê, as figuras de uma segunda mulher e a de um anjo ou Cupido nem sempre aparecem e há uma razão para isso, que discutirei a seguir.

O Arcano n º 6, O Enamorado, Os Enamorados, O Namorado ou Os Amantes, dependendo de seu título em diversos tarots, tal qual seu próprio arquétipo que lhe serve de fonte, é dúbio e inconstante: representa acima de tudo as escolhas, as decisões, os caminhos a seguir e também o Amor.

Nos tarots clássicos, como a Lâmina 6 de Marselha, há um jovem no centro da trama: está cercado por duas mulheres, onde uma representa sua Anima instintiva, a atração sexual, seus desejos, seus impulsos, sua parte material, a deusa Afrodite em estado primário, a sedução, os prazeres e o Mutável e a outra mulher representa Sophia, o conhecimento, a busca, a Verdade Interior, a proteção, o Espírito, o Caminho, a iluminação, a cura e o Transmutável, sendo a catalisadora do processo alquímico interior, que transforma a prima materia em pedra lapidada.

Acima, há Cupido ou Hermes, o Mensageiro, que observa e age sobre a cena, disparando sua flecha sobre o moço, que está em plena postura de impasse, de indecisão.

O que acontece aqui, de tão humano e cotidiano?

Neste primeiro Arcano tipicamente psicológico, há um conflito.

O jovem se encontra, nessa etapa, com as duas faces de sua Anima, isto é, seu ideal feminino dentro da alma e que aqui estão separadas e que para ele se apresentam como antagônicas.

Se fosse uma mulher, nosso protagonista estaria bem representado como uma bela jovem, indecisa diante de duas imagens de seu Animus, que poderiam ser a de um homem sedutor, bem vestido, jovem, bonito e envolvente e o outro forte, poderoso, protetor e enigmático.
Quem sabe entre um príncipe e um rei; um mágico e um mago; um ator e um poeta.
Ambos, a lhe oferecer o mundo.
Ambos, indispensáveis.

Usem a imaginação, tarefa que o Tarot, a todo tempo, nos incita a exercitar.
Porque o Tarot, por ser a Vida em imagens, não trata de situações específicas masculinas ou femininas e sim humanas, cotidianas e por isso, universais.

No baralho de Marselha, essa situação conflitante é muito clara, ao contrário do que ocorre em outros baralhos, que mostram o jovem feliz com sua amada, realizado no amor, pulando etapas, como se já se encontrasse no Arcano 19, O Sol; ou no Arcano 21, O Mundo ou mesmo na etapa final do naipe de Copas, dos Arcanos Menores, o número 10; como se já fosse possível, ainda no Arcano nº 6, fazer essa integração com seus opostos interiores, de uma forma pura, límpida, rápida e sem conflitos, sem dores e sem dúvidas e sem ter que lidar com os diferentes aspectos de sua Anima, isto é, de si mesmo.

Por isso, tratarei da representação no Tarot, do Arcano O Enamorado, com os quatro personagens presentes.

Porque aqui, no Arcano 6, o tema é o Amor e Ele não se dá antes desses impasses.

Mas afinal, por qual das duas está apaixonado?
Com qual delas quer seguir adiante?
Ou será que partirá sozinho?

Para o Tarot, essas questões não são importantes.
Creio eu, nem para a vida, dependendo da situação psíquica de quem vive esse arquétipo em determinado momento.

Como o Tarot é a representação arquetípica da jornada do ser humano, o que há de fundamental em cada Arcano não é o desfecho da situação, mas a própria situação em si.

Até então, nos Arcanos anteriores, a psique, a alma ou o protagonista dessa jornada tinha se deparado com o arquétipo da Mãe, do Pai, da Mulher Sacerdotal e do Sacerdote.
Aqui, no sexto Arcano, ele se vê envolvido com duas mulheres de características supostamente diferentes, pois as mulheres são apenas representações das próprias instâncias de sua personalidade, só que ainda em estados distintos.
São elas, também dessa forma, personagens.

Quando somos adolescentes ou ainda muito jovens e estamos descobrindo a nós mesmos, como indivíduos separados do contexto familiar, com personalidade, gostos, pensamentos e sentimentos próprios, muitas vezes é através do primeiro amor que essa diferenciação se dá.
O apaixonar-se, nessa fase, funciona como um Rito de Passagem, como tantos outros.

Ao longo da vida, o que se espera, em termos de evolução psíquica, é que essa diferenciação ocorra gradativamente, até quando nos tornarmos adultos e responsáveis por nossas próprias escolhas.
E é também através dos relacionamentos afetivos ( isso se o indivíduo está realmente com os pés em sua Estrada) que ele consegue se conhecer mais e mais, separar o que quer e o que não quer como companhia e essas coisas só  acontecem com muito aprendizado, experiência, sofrimento, alegria, ilusões, decepções e só pode ser real e pleno se for através de um verdadeiro envolvimento com o outro.

Isso não tem a ver com a idade cronológica da pessoa e sim com seu grau de maturidade psicológica: há pessoas de pouca idade que já elaboraram certos processos em sua vida, inclusive os do coração, enquanto outras bem mais velhas ainda não conseguiram sequer o mínimo de autoconhecimento, estando ainda condicionadas aos parâmetros sociais, familiares e do ambiente e ainda muito presas às satisfações momentâneas e ao julgamento dos outros.

Mais que isso: sonham com um par ideal, mas sequer sabem o que é o ideal para si, quais são os seus limites, seus potenciais e o que querem ou não querem em uma relação.
Muitos até conseguem ser profissionais bem sucedidos, mas sua vida afetiva é um mar de problemas e de erros.

Paradoxalmente, não acreditam ser certo arriscar sua vida profissional, seu dinheiro, sua saúde ou seus planos como se arriscam por aí nos relacionamentos; cuidam com muita precaução de todas as coisas, menos de seu coração, porque há hoje em dia um pensamento quase unânime de que nossa vida afetiva deve ser tratada com displicência e irresponsabilidade e que devemos levar esse assunto como uma diversão qualquer, como tiros dados na escuridão, ou um lance de sorte, apenas.

É dito que podemos sonhar, planejar e empreender uma viagem em especial;  devemos  fazer projetos no plano profissional, procurar as melhores oportunidades de crescimento em nossas carreiras; podemos e devemos cuidar de nosso corpo, escolher muito bem um curso e onde vamos estudar, podemos e devemos escolher com cuidado nossos amigos, nossa moradia, onde vamos aplicar nosso dinheiro, mas quando se trata de amor, com quem vamos nos envolver, parece que isso deve ser feito de qualquer jeito, "adaptando-se às circunstâncias"  e quando acreditamos que não deve ser assim, quando queremos que não seja assim, somos taxados de sonhadores ingênuos e retrógrados, porque sabemos o que queremos e o que não queremos como companhia.

Como se saber o que mora em sua alma, buscar alguém para compartilhar esses tesouros, os nossos e do outro, esse com o qual se tenha grande sintonia fosse uma grande bobagem!!..

É como se essa área da vida tivesse que ser encarada como um eterno teste, um jogo de sedução e divertimento, onde sai ganhando o mais esperto, aquele que levanta o troféu da conquista da vez, para a inveja e admiração de todos; uma corrida competitiva onde os mais "hábeis" vencem, permeadas por valores como beleza, poder, dinheiro, fama, sucesso e eterna juventude.

E o que se vê por aí é uma série de relacionamentos vazios, neuróticos e doentios; um sem-número de separações, traições, crimes e uma avalanche de casinhos passageiros; uma sucessão de relacionamentos vividos por acomodações, por rotinas e pouquíssimos, raríssimos, exemplos de amor verdadeiro.


Relacionamentos que são uma grande brincadeira: joguinhos, sedução barata, exploração do outro, clichês e muita futilidade, onde o que vale é "se dar bem", fazer "andar a fila", isto é, fazer valer mais uma forma da sociedade de consumo, pautada no passageiro, no superficial, no artificial e no descartável.


Ou então uma porção de gente mantendo relacionamentos sem significado, mortos, fracassados; outros tantos vivendo de migalhas do outro, implorando pedaços de atenção, de sexo ou companhia; pessoas se contentando com os restos que o outro tem a lhe oferecer e todo esse mar de humilhação e de mentiras é mantido só para se dizer depois que não está sozinho, que possui um marido, esposa, namorado ou namorada ou qualquer coisa que o valha.
Perdem a dignidade, a honra e a auto-estima; rastejam como vermes num relacionamento em nome das aparências, em nome de muita covardia e possuídos por seus pesadelos: medo de viver, medo de morrer, medo de ser, medo de si mesmo. 

E mesmo assim, essa maioria de pessoas que segue essas instruções, ditadas pelo pensamento corrente, pensamento esse que vai na contramão do crescimento psicológico e das bases para um relacionamento verdadeiro, essa maioria sente que está  "aproveitando"  muito bem as coisas e nunca pensa que sua vida afetiva poderia ser de enorme contribuição, senão a principal, para um aperfeiçoamento de sua personalidade e um catalisador em seus processos do tão adiado auto-encontro.

Ou seja, um caminho para a felicidade.

Não passa sequer pela mente dessas criaturas que qualquer forma de liberdade jamais se pauta em coisas fúteis, passageiras, destituídas de sentido, mentirosas ou vazias.  

A verdadeira liberdade parece estar sempre na contramão das maiorias; é sempre o oposto daquilo que é ditado, esperado e ensinado para elas.
É construída com material sólido, rico, profundo, conquistado e elaborado dentro de nossa mente e coração a duras penas e com muita coragem.
A conquista da real liberdade advém de uma grande rebeldia interior, de um "não" muito sonoro aos caminhos pré-estabelecidos e da posse diária e constante de si mesmo.

No passado, a vida afetiva das pessoas era, em sua maioria, comandada por escolhas convenientes: o casamento e os relacionamentos eram pautados muitas vezes nos ditames sociais.
Era uma forma de controle social, através do conceito vigente de família.

Hoje, ao meu ver, ainda o são, só que no seu lado oposto: a pessoa mal conhece a si mesma e diz amar outra pessoa, amparada principalmente ou quase exclusivamente pelo sexo, por condicionamentos ou porque o relacionamento o “satisfaz”, isto é, alimenta as expectativas do pouco que o indivíduo conhece ou pensa conhecer de si, isso para não falar das milhares de dependências, vampirismos e neuroses, que são chamadas de “amor”...


Ainda é uma forma de controle social, só que através do conceito de individualismo.

Mas o Amor em sua sublime essência, motor dos acasos, da vida e de toda Pulsão Criadora não se sujeita aos caprichos daqueles que não o conhecem realmente e daqueles que não o querem conhecer de verdade.

Por isso, o Verdadeiro, ele acontece para poucos: exige que seja antes buscado, do fundo da alma e isso depreende enormes esforços pessoais, para os quais a maioria das pessoas não está nem um pouco preparada ou disposta a enfrentar.

O Amor é a Estrela de Seis Pontas, feita por dois triângulos que se entrecruzam e se completam: um está com o vértice para cima; o outro, para baixo.
É a integração, o resumo simbólico do princípio máximo do Hermetismo: Como no Céu, na Terra; como Em cima, Embaixo.

 
Hermes, lá de cima, O Cupido de nosso Arcano 6,  aponta o caminho para o protagonista da Carta: 
Ame-se, Ame e Integre-se!!

Por isso, uma das mulheres no Arcano 6, como já mencionei anteriormente, representa a necessidade do lado instintivo, do desejo e da sedução, que não podem ser negligenciados e negados num relacionamento: ela é a terra; a outra representa, para nosso mocinho da carta, a Anima Espiritual, o céu, o complemento feminino de sua essência psíquica, que também não podem e não devem ser negligenciados.

Mas nenhuma das duas, é ainda, a Completude!!
Ambas são extremas demais para ele, aqui nesse estágio!! Porque as duas são, aqui nesse Arcano, dois lados opostos e esteriotipados do feminino.

Neste Arcano de Libra, nosso protagonista se vê indeciso, entre uma e outra....mas terá muito o que viver, ver e aprender ainda em sua Estrada....

Na questão do Amor e da Vida, se assim seguir sua Jornada e com a imprescindível posse de si mesmo, encontrará posteriormente sua Soror Mysthica, isto é, sua Afrodite em seu Estado Espiritualizado e sua Sophia Humanizada, na mesma mulher, não mais separadas, mas integradas numa só pessoa.
E numa mulher comum, como ele, mas única, que possa entrar em sintonia com sua verdadeira essência.

E assim, também nossa protagonista imaginária, entre o Mágico e o Mago, entre o Príncipe e o Rei, terá a mesma surpresa maravilhosa de ver um homem comum, tão comum quanto ela, mas seu único Frater Mysthico, caminhando e compartilhando as mesmas e incríveis paisagens.

Porque é somente com a união de ambos os aspectos, primeiro dentro de si mesmo, depois através das sincronicidades que se concretizarão na vida cotidiana e através da Mágicka que ela nos proporciona todos os dias, que o Moço ou a Moça dessa história que nos é tão conhecida, porque é a nossa história, poderão se tornar finalmente um Homem ou uma Mulher completos.

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