2 de dezembro de 2011

Perséfone, Hades e o Autoconhecimento


Era uma vez uma menina chamada Koré, que colhia narcisos num lindo campo.

Bem, não era exatamente uma menina, mas uma mulher; só que de tão apegada à sua meninice, ao seu mundo de luzes, proteção absoluta, felicidade e de tão certa que estava de seu permanente conforto diante da vida, era de fato, e por isso tudo, uma menina.

Mas naquele dia alguém a espreitava da entrada de uma gruta subterrânea.

E, num único lance, um homem, saindo daquela profunda fresta no chão e apaixonado por essa sua ingenuidade e beleza, a raptou da superfície e a levou para o seu Reino, o Inferno.

A mãe de Koré, a rainha Deméter, desesperada, procurou incessantemente pela filha, durante 9 dias e 9 noites e muito deprimida, não permitiu mais que as plantas crescessem, que as flores surgissem e nem que as árvores dessem frutos.

Enquanto isso, Koré, a menina, conhecia o Inferno e seu Rei, Hades, o raptor.

Viu tudo o que se passava lá dentro: seres que jamais tinha visto; pessoas perturbadas, outras possessas ; outras loucas e outras em sono profundo; muitas delas eram recém-chegadas, sem nem mesmo saber onde estavam; sentiu o frio, o calor extremo, a falta ou o excesso de sono e tomou do ópio diário que Hades lhe oferecia.

E com ele Koré teve noites e noites de sexo, de prazer, de embriaguez, de alucinações e de torpor e foi assim que foi conhecendo cada vez mais aquele Reino, as pessoas que ali moravam: umas em silêncio, outras gritando para sair e tudo o mais que fazia parte do Reino da Escuridão.

E conheceu também tudo aquilo que nunca soube; tudo e todos que viviam sob a Terra e com eles conversou, riu e chorou; viu a beleza das crateras, o silêncio secreto das sombras, a maravilha das pedras ardentes; árvores completamente secas com folhas verdes surgindo; pássaros em chamas, gritando para renascer das cinzas; lobos, feras e também ouviu histórias de vida, muitas e muitas histórias interessantes, de lutas, erros, acertos e tudo mais que compõe a saga daquilo que nos torna humanos.

E também foi conhecendo Hades, o Rei infernal, que a fez a Rainha do Inferno.

Hades, sempre soturno, misterioso, silencioso, profundo e reticente; mago iniciado das Sombras, imperando sobre o Abismo, o Oculto e sobre todas as almas e coisas e seres que lá se encontravam, apaixonou-se por Koré, prisioneira dele, e ela por ele, como a Fera amou a Bela e vice-versa.

E o tempo foi passando.

Foi passando até que Koré, agora chamada Perséfone, a Rainha do Inferno, mulher de Hades, sentiu muita saudade de casa, do seu mundo, dos narcisos, do sol, do campo, dos amigos e de sua mãe, Deméter.

E saudade de si mesma.

E a falta que fazia tudo isso, mesmo amando Hades, fez com que ela definhasse, se esgotasse, ao ponto mesmo de rejeitar qualquer alimento que fosse.

Enquanto isso, Deméter, Rainha dos campos, das árvores, das sementes, das colheitas e de Tudo o que é Criação na Terra, mergulhava também em profunda depressão, por sentir imensa falta da filha e foi fazendo da Terra um lugar sem vida, sem flores, sem trigo, sem vegetação, sem nada.

Três meses se passaram e Zeus, pai de Koré, não conseguia acalmar Deméter e ela, desesperada, pediu ajuda à Hermes, Mensageiro do Reino da Terra e dos Céus e Grande Iniciador.

Hermes então desceu ao Inferno e teve um encontro com Hades.

Disse que vinha em nome de Zeus, senhor de Todo o Universo e em nome de Deméter, Rainha de Toda a Criação e exigiu que ele, Hades, devolvesse Perséfone.

Hades concordou; afinal, não ia lutar contra um poder tão grande como esse, mas antes, ardilosamente, ofereceu a Perséfone doces e atraentes sementes de romã.

Ela, meio desconfiada, aceitou a oferta e comeu das sementes.

Hermes, sem perder tempo, a tomou nos braços e a trouxe de volta para a superfície e foi assim, para a alegria de sua mãe e de toda a Terra, que os campos voltaram a florir, as árvores voltaram a dar frutos e os narcisos floresceram novamente.

Só que algo tinha acontecido.

Perséfone tinha comido as sementes de romã dadas por Hades e por causa disso, selado um pacto sem palavras, de eterno retorno ao seu Reino Infernal.

E assim, durante 3 meses do ano, ela deveria voltar para Hades e no restante, estaria na superfície.

Por 3 meses então, a Terra nada daria de frutos e durante 9, seria fértil.

E é por isso que até hoje há as 4 estações do ano : quando Perséfone retorna para seu marido Hades, dá-se o Inverno.

E ela, Perséfone, a ex-menina e agora mulher, como recompensa dos deuses, jamais envelheceria, permanecendo para sempre com a aparência de jovem, porém mulher.

Essa linda história, a mais linda que há em toda Mitologia Grega, é a história de muitas, muitas coisas.

Primeiro, a história do mergulho ao Inferno Pessoal e o que ele tem a nos ensinar e a nos oferecer.

A menina inocente nunca mais seria a mesma, depois de conhecer Hades e com ele realizar uma espécie de casamento secreto, que resultou no que pode ser chamado de “Luz das Sombras” e que talvez, creio eu, não poderia ter acontecido de outro modo a não ser este.

E depois de conhecer seu Reino, repleto de pessoas e coisas que jamais imaginaria, nada seria como era antes.

A submersão de Koré, arrastada por seu inconsciente, personificado pelo masculino que há nela (Hades), a fez crescer.

Afastada de seu mundo, Koré aprendeu ao descer e a ver as lições nisso.

Soube que existia outro universo, feito de pessoas cujo mundo não era o brilhante e ensolarado mundo onde antes vivia e que esse mundo sombrio era tão real e essas pessoas tão vivas quanto seu campo de narcisos.

Segundo: identificada com uma espécie de “Animus Sombrio”, Perséfone amou Hades e lá no Inferno, ouviu muita gente; gente que era gente dentro dela mesma e por isso, ouviu o canto secreto e abafado daquilo que, sem saber, carregava dentro de si.

O oculto que era seu talento de dentro da escuridão da alma; daquilo que nunca soube de si; das forças, das vontades, dos anseios, das suas capacidades desprezadas que moravam na cratera de seu inconsciente e que precisavam ser vistos, mesmo que seu ego tivesse que ser literalmente raptado à luz do dia, na colheita ingênua dos narcisos.

Era a hora das sombras, Koré!!

A hora de se tornar completa e se tornar também uma mulher!!

Terceiro: o que eu chamaria de “A Dependência da Luz”.

Parece que sempre temos que ser imperadores de tudo; que sempre temos que dar respostas para tudo e sempre temos que ter algo iluminado a fazer diante de qualquer circunstância.

Acertar sempre, nunca errar, nunca fraquejar, nunca, nunca perder: isso é o que frequentemente cobramos de nós e que o mundo nos cobra.

Só que tem hora que temos que ser raptados de nossos campos narcísicos para alguma Sombra, seja lá qual for, para assim podermos enxergar a Verdadeira Luz!!!

Falo daqueles momentos difíceis em nossas vidas: perdas, depressão, doenças, desespero, sofrimento psíquico, físico, espiritual, relacionamentos terríveis ou qualquer outro fato que nos tira do chão e nos leva ao inferno.

Isso tudo tem muito a nos ensinar; mesmo sendo indesejáveis, se soubermos dialogar com os seres que habitam no escuro dentro de nós, isto é, nosso inconsciente, poderemos sair vitoriosos e mais fortes desta descida.

Quarto: o “Retorno Premeditado”.

Perséfone.....por que será que comeu das sementes oferecidas por Hades, se já estava de saída?

Provavelmente, porque tinha feito um elo não apenas com Hades, mas com tudo o que o cercava: tinha descoberto sua maturidade e sua capacidade de amar, de ouvir os outros e assim, aprendido e apreendido uma outra realidade da qual não queria se afastar para sempre.

Perséfone tinha se tornado uma espécie de guia e lá no fundo, sabia que seria útil àqueles que lá estavam e aos futuros que lá ingressariam.

Porque jamais voltamos os mesmos, quando descemos às Profundezas.

Numa segunda ou terceira vez, de novo, no subterrâneo da vida, já conhecemos o caminho e sabemos onde fica a saída.

Porque a vida, A Roda da Fortuna, é feita de subidas e descidas.

Cada vez que tivermos nosso Inferno, Inverno ou não, é mais uma estação: ciclos, retorno à superfície, autoconhecimento, sabedoria, descida, subida e descida e subida e campos secos e campos férteis, frio ou calor; e aprender e ensinar no Inferno, Inverno, Outono e Verão e Primavera.

Esta é a Roda.

Quinto: “O Pacto com os Deuses”.

Perséfone, ao selar um contrato tácito com Hades, sem palavras, sem assinaturas, mas com Hermes por testemunha, quando comeu as sementes de romã, ganha dos deuses a eterna juventude; seria para sempre as duas coisas: a mulher sombria, que bem conhece (e muito bem!) os caminhos do inconsciente e seria também a eterna jovem, para guiar para sempre aqueles viajantes de primeira estrada.

Ou seja, uma Iniciada.
No fundo, não acredito que Perséfone tenha que ser um mito necessariamente fadado à identificação feminina, embora o arquétipo assim o represente; no tarot, Perséfone corresponde ao Arcano 2, a Grande Sacerdotisa, mas também há elementos dela no Diabo, Arcano 15; igualmente na Torre, Arcano 16 e em outros Arcanos Maiores e Menores onde haja a descida ao Reino de Hades.

Sem dúvida, há mulheres Perséfones, eternas jovens, tanto na aparência como no espírito; que já desceram muitas vezes ao inferno e que tiveram verdadeiros homens - Hades em suas vidas e que muitas e muitas delas são ligadíssimas às suas mães Deméteres.

Mas creio também que muitos homens tiveram experiência semelhante, da descida ao Inferno Pessoal, raptados pelo inconsciente, só que no caso, Hades como a própria Sombra Masculina Inconsciente e que depois retornaram, mais fortes e mais corajosos, depois dessa obscura jornada.

Afinal, a história de Perséfone, a história de Koré, é uma das tantas histórias dos Caminhos do Autoconhecimento.

E isto sempre será Universal.


Deixo aqui esse video que gosto muito, com legendas em inglês e português, da banda sueca Therion, de Heavy Metal Sinfônico, que conta a história de Perséfone.  A música é Dark Venus Persephone, linda! Espero que gostem!

http://www.youtube.com/watch?v=PP7TiQP7XmA


15 de julho de 2011

Vampirismo Astral e Ataques Psíquicos



Volto ao assunto Vampirismo.

Não sou expert no assunto, nem desejo ser, mas como simples estudiosa do Ocultismo e observadora das relações sociais da atualidade, que cada vez me chocam mais, quero voltar a esse tema, ao meu modo, sintetizando o pouco que aprendi sobre as interações invisíveis entre as pessoas.

Pena que as Ciências Humanas não estudem esses porões (ou seriam sótãos?) da Edificação da Existência, rejeitando, como numa Inquisição Moderna, todos os fatos al di là daquilo que podemos mensurar.

Numa postagem anterior tratei sobre o vampirismo psicológico, ou seja, aquela forma de vampirização onde é mais comum a manipulação das emoções e posterior controle da vítima, geralmente baseada em chantagens emocionais, imposições e exploração do frágil ego do atingido.

Essa forma de vampirismo, como já falei, acaba por descompensar a vítima e enquanto esse tipo de relacionamento neurótico durar, (porque é uma neurose!!!) e que sempre conta com o auxílio, consciente ou inconsciente, de quem sofre essa manipulação, o vampiro encontrará solo fértil para atuar.

Está mais para uma forma de parasitismo permitido, creio.

Por medo, despreparo, falta de autoconfiança, auto-estima baixa, dó, sentimentos confusos, falso amor, ilusões, auto-engano, enfim, por inúmeras razões, o vampirizado ou parasitado se deixa influenciar por pessoas “coitadinhas demais”, “desprotegidas demais”, “necessitadas demais” ou seu oposto, as “espertas e sabidas demais”, as “salvadoras demais”, que acabam por sugar sua força, sua alegria, seu tempo, suas esperanças e não raro, no plano material, seu dinheiro, saúde e sentimentos, ficando o vampirizado à mercê das chantagens e exigências de quem o manipula.

Aqui nesta postagem, pretendo expor o vampirismo psíquico e astral, algo muito mais sutil, por ser imperceptível, difícil de detectar e indireto, pois nem sempre a vítima é responsável pelo que lhe acontece.

Muitas vezes nem sabe que está sendo vítima de um ataque psíquico ou que está sendo vampirizada!

Não!!!!!

Antes que você pense que sou uma tonta que acredita em vampiros imortais, de carne e osso, mortos-vivos como vemos nos filmes e nos romances, já vou explicando logo: não creio nisso.

Essas figuras tão “na moda” ultimamente, tão glamourizadas, tão revoltantemente comemoradas pelo cinema, mídia e pelos livros, esses bebedores de sangue que vagam pela noite e que não podem de jeito nenhum receber a luz do Sol; essas criaturas poderosas, imortais, que jamais envelhecem, que dormem em castelos, em caixões de rica madeira e que venceram a morte à custa do sangue de virgens manipuláveis e inocentes.....esses seres belos, sedutores, inteligentes, poderosos e mais um milhão de coisas inefáveis de tão tão tão que são....

Não! Essas figuras, definitivamente, não existem!!!

Mas eles são uma espécie de arquétipo, modo arcaico que o inconsciente coletivo da humanidade aprendeu ao longo de sua evolução a representar certas forças psíquicas e espirituais.

Digamos assim: o vampiro clássico, bebedor de sangue e imortal é um mito, uma forma alegórica do imaginário humano de algo.....

.....Que realmente existe!!!!!!

Claro que entre nós há aqueles doentes psiquicamente; lembrando que Psiqué significa: “Alma”.

Que cometem crimes terríveis, porque se imaginam vampiros!

E são!!

Mas sobretudo são doentes, que levaram às últimas consequências seu estado psíquico degenerado (de alma), como o famoso Conde Vlad Draculá, um homicida cruel, psicopata e covarde.

Mas voltemos ao mito.

O sangue é uma representação da alma do ser vivente.

É ele que conduz o alimento e o oxigênio, vitais para a sobrevivência do corpo, invólucro da Alma.

É através dele que também fazemos as trocas com o meio ambiente.

Ele é o líquido que rege todas as funções de nosso corpo.

Concorda até aí?

Pois então.....

O vampiro das histórias nada mais é que uma representação de toda forma espiritual, encarnada ou desencarnada, que suga a vitalidade da alma de alguém para poder sobreviver, suga o sangue, arquetipicamente falando.

Vejam: na verdade sugam a alma, a vitalidade, as energias do outro, muitas vezes, no mais absoluto silêncio e anonimato.

Nunca seu sangue, sua seiva, propriamente ditos.

São indivíduos, encarnados ou desencarnados, que não podem obter a vitalidade, a energia, as emanações positivas que estão aí na Natureza, todos os dias, as Forças Astrais, doadas pelo Criador, que alimentam nosso espírito; e como o vampiro não pode obtê-las por meio próprio, ele precisa tirar essa vitalidade de quem a tem.

Muitas vezes, ao contrário do vampiro parasita chantagista, que esgota nossas forças psicológicas e nossa paciência, o vampiro astral chega em silêncio, dificilmente se passando por um chantagista, porque tudo o que ele mais quer é manter seu anonimato de sugador.

A vampirização se dá então através de ataques psíquicos, imperceptíveis, sutis, no plano da telepatia e de outros fenômenos parapsicológicos, como por exemplo, pensamentos carregados de intenção maléfica e destrutiva, ódio e inveja, indução de sonhos, ataques durante o sono, etc.

Ou através do sexo.

O sexo per se, sem compromisso e sem envolvimento emocional, já que um vampiro não se envolve.

Que hoje em dia, aliás, é a forma mais fácil, mais eficiente e mais “aprovada” socialmente de se sugar o “sangue” de alguém....

Sem dizer uma só palavra, conseguem atrair para si os mais batalhadores, os mais destemidos, as pessoas cheias de vida e que geralmente, apesar de todas as dificuldades e sofrimentos que passam, conseguem suas vitórias, grandes ou pequeninas, na batalha diária que é o viver.

Os heróis anônimos do dia a dia.

E que estão com a guarda pessoal baixa.

E o vampiro, apenas com um olhar, pode extrair dessas pessoas suas energias.

Não só de pessoas, mas são capazes também de adoecer um animalzinho ou matar uma viçosa planta!!

Os encarnados, ou seja, os vampiros tão vivos e mortais como nós, que andam por aí, geralmente aprendem certas técnicas de “sobrevivência”, como a semi-hipnose ou sugestão e talvez por isso o mito os consagrou como pessoas "sedutoras e charmosas"!!

Mas no fundo, no fundo, não passam de fracassados: são gente extremamente apegada ao materialismo, ao prazer, ao sexo, aos vícios e que dificilmente ou quase nunca conseguem dar a volta por cima, sozinhos, diante das dificuldades!!!

Sempre estão ancorados, amuletados em alguém, porque lhes falta Força Interior!!

Nunca amam verdadeiramente, porque são incapazes de doar!

As amizades são sempre por interesse; os relacionamentos, baseados no puro prazer e nas necessidades de satisfação pessoal, como um parasita!!

Os vampiros desencarnados, ou seja, os que hoje não têm um corpo material, mas que um dia o tiveram, perambulam no limiar entre a Vida e a Morte, se recusando a atravessar o Portal para a Vida Eterna, para a Luz, de tão apegados que foram e continuam sendo ao mundo da matéria.

Induzem suas vítimas ao vício, ao crime, à saciedade dos instintos mais baixos e menos espiritualizados.

As vítimas desses vampiros, tanto encarnados como desencarnados, acabam por ter uma enorme descompensação física e psíquica, sofrendo de uma verdadeira...Anemia da Alma!!!

Sem explicações concretas, sentem uma grande opressão e angústia, do nada, podendo levar a um quadro efetivo de depressão.

Digo “do nada”, porque antes as coisas estavam boas, ou ia-se levando, e de repente, aquela vitalidade, aquela vontade de lutar, de viver, escoa pelo ralo.

É um abatimento sem antecedentes, sem um motivo concreto, como o provocado pelas coisas comuns que todos nós passamos: perda de pessoas queridas, de emprego, doença, dívidas, stress, etc....(quem não passa por isso? Todos nós passamos!!)

É diferente na vampirização: é uma fraqueza aparentemente sem causa, que acaba complicando a vida da vítima ainda mais, em todos os sentidos.

Se o vampiro astral for também um vampiro psicológico, se casar as duas modalidades de vampirismo numa só criatura, pobre vítima!!

E a maioria das pessoas não sabe que está sendo vampirizada e algumas delas até tornam-se também vampiros involuntários de outras pessoas, para extrair alguma vitalidade para sobreviver!!!

E o mais revoltante que acho é a maneira como a mídia tem endeusado esse arquétipo!

Esses filmes todos, romances....

Talvez porque vivamos numa sociedade vampira, onde é lindo sugar o outro, explorar o outro, aproveitar-se das pessoas, como sinônimo de esperteza e inteligência!!

E pior: as vítimas, nesta nossa sociedade, vampirizadas todo dia, por todos os meios, amam seus vampiros, numa espécie de Síndrome de Estocolmo, onde a vítima ama, admira e se identifica com seu algoz!

Infeliz sociedade!!!

Porque o vampiro é o arquétipo do tipo mais materialista que há neste mundo!!!

Ele precisa do outro para sobreviver: matando-o, escravizando-o, eternizando-o num mundo onde jamais poderá envelhecer, isto é, amadurecer; ele impede no outro e a si mesmo a Experiência Alquímica da Transformação.

Na Alquimia, o vampiro é o tipo que sempre está no Nigredo!!!

Jamais, jamais, Phoenix.

É a antítese da trajetória do Herói, do Caminho.

Vaga somente nas noites (nada contra as noites: elas são belas e eu mesma me encontro melhor nas noites que na luz do dia); mas o vampiro nunca é guiado pela Luz; nem da Lua, nem do Sol, nem das Estrelas.
Não existe, em sua vida, o Equilíbrio necessário da Roda.

Noite e Dia. Opostos.

O vampiro é um hedonista por natureza, uma espécie de Dorian Gray que se recusa à Vida e seus inerentes giros, de altos e baixos, e que monta para si um modo de viver alienado à Natureza e que transfere a Bela Mortalidade para retratos caricatos de si mesmo, retrato esse que guarda sua verdadeira essência degenerada numa sala fechada à sete chaves, traçando assim para si, numa armadilha hedionda, caminhos diretos ao abismo espiritual.

O vampiro boicota sua Eternidade, Aquela que só pode ser alcançada com aprendizado, sofrimento, luta, (luta sobretudo contra si mesmo, phoenix que tem que ser), humildade e serenidade.

Como a trajetória do Herói, que temos a obrigação evolutiva de percorrer.

O vampiro é um ser incapaz de sacrifícios, de autodisciplina, de amor; impossível a ele a Compaixão, o ápice do Amor.

Não há nada de nobreza nele; só uma sociedade que se identifica com isso o tomará por nobre!!
Aliás, o modismo em torno dessa figura tem demonstrado o caráter predador de nossa sociedade.

Mas, como se livrar deles?

Como perceber uma vampirização astral e psíquica?

É difícil dizer, mas nossa alma dá sinais.

Desesperança, falta de autoconfiança, ódio, apego material, falta de compreensão em relação às pessoas, falta de compaixão, de empatia, vícios, futilidade na vida, fraqueza, inveja, hedonismo....

Se isso faz parte de sua vida, ou você é um vampirizado ou você é um deles.

Palavra que creio mágicka: Empatia.

Sinta isso no seu coração.

É Liberdade.

E depois: Transmutação Alquímica.

Ser um caça-vampiros como dos filmes, enfiando estacas no coração dos mortos-vivos?

Não, mas apontando o Nosso Coração para a Luz.

Procurar, aquela lampadinha (que pensamos ser uma lampadinha....mas é uma Estrela!!), que está estacada em nossa Alma, para nos guiar no Caminho do Alto, da Única Estrada, que muitas vezes, teimamos em nos desviar.

Sei lá.....

Afinal, vampiros temem as luzes, temem viver, temem amar, temem doar, temem escutar, temem, sobretudo, a empatia, temem....amadurecer.....temem alvorecer....

Talvez não haja alhos nem bugalhos mais eficazes que essa direção!

10 de maio de 2011

Você vai Conhecer o Homem dos seus Sonhos - When You Whish Upon a Star


Confesso que assisti a esse filme de Woody Allen depois de ler uma série de críticas negativas a respeito dele, e de ouvi-las também!

Que um dos mestres do cinema tinha feito um filme pequeno; que era um filme pessimista sobre o amor; que mostrava, com muito humor negro, a realidade patética das pessoas em busca da felicidade amorosa, etc, etc, etc.

Não sou crítica de cinema, nem crítica de coisa alguma nessa vida, nem especialista nisso ou naquilo, muito menos conhecedora de Allen, mas ao longo do tempo adquiri um olhar que os psicanalistas chamam de pensamento mágico, próprio dos loucos e das crianças...os céticos chamam a isso de olhar alienado e eu e meus irmãos e irmãs de Trajetória, um olhar místico, um jeito ocultista de ver as coisas, inclusive, alguns filmes.

Tal é a razão desse blog.

Esse olhar...

Pois bem.

É com esse olhar “lunático” que vejo as coisas e fiquei um tanto surpresa com o final do filme.

E foi com a empolgação desses olhos que resolvi escrever este texto, embora goste muito de cinema.

Acho, de certa forma, que os críticos estavam certos: Allen quis mostrar a realidade nua e crua da busca do amor e a dureza da vida e seus golpes infames, mas creio que seu inconsciente o traiu (?), ou talvez Woody Allen tenha se cansado da Psicanálise (?), ou quis mesmo debochar dos místicos (?), ou tudo isso junto, sei lá o que ele pretendia, mas me prendi a um detalhe o tempo todo: a personagem Helena, a “lunática”, a “alienada”, a “sonhadora”, a cheia de “pensamento mágico”, a nada, a nadinha realista Helena, mas de alma verdadeira, como Jonathan, que aliás, diga-se de passagem, são os dois maravilhosos lunáticos da trama.

Se você não viu o filme e pretende vê-lo, nem continue a ler esse artigo, porque vou contar o filme inteirinho e estragar completamente a surpresa preparada no final do filme.

Retome-o, caso tenha interesse, depois de assisti-lo.



Então vamos lá.



O filme começa com uma linda canção, “When you whish upon a star”, interpretada por Leon Redbone.

Linda, perfeita para gente como eu, lunática!!!

Um narrador onipresente começa dizendo que “a vida é uma história contada por um louco, cheia de som e fúria, significando nada”, citando Shakespeare.

E então, ele começa a apresentar o drama dos personagens.

Na Londres contemporânea, Helena (a ótima Gemma Jones) é casada há 40 anos com Alfie (Anthony Hopkins) e este, com medo da já chegada idade, tem um súbito “impulso juvenil” e daí procura por academias, malhação, bronzeamentos, vitaminas e para se divorciar de sua mulher, a dedicada Helena, mãe de sua filha, é um rápido passo.

Conhece a clássica loira-burra-jovem-linda-exploradora-oportunista-vulgar-sedutora-troféu, a garota de programa Charmaine (a engraçadíssima Lucy Punch) que logo, logo, faz morreeeerrr de inveja, como era de se esperar, seus amigos & vizinhos & colegas de trabalho, pela recém - conquistada carne fresquíssima.

Trivial, não?

Dá a ela casacos de pele, jóias e um apartamento no mais badalado bairro de Londres e como era também de se esperar, se atola em dívidas, Viagras e chifres.

Helena, sua ex-mulher, temendo os dias que virão, procura por uma vidente, que faz as mais belas previsões sobre seu futuro : “Você vai conhecer o homem de seus sonhos”, ela diz, e entre outras profecias alentadoras para Helena, prevê também o futuro de seu genro e de sua filha, Sally, previsões, aliás, nada agradáveis.

Sally (Naomi Watts), filha de Helena e Alfie, é casada com Roy (Josh Brolin), um quase quarentão que há muito tempo abandonou (ou melhor, nunca exerceu) a Medicina para ser escritor.

O problema é que só escreveu um único livro de sucesso e depois disso, nunca mais conseguiu escrever nada que alguma editora ao menos aceitasse publicar.

Ele vive às custas de Sally, que trabalha na galeria de arte de Greg, um homem sedutor, bonito e bem sucedido, mas casado (Antonio Banderas).

As brigas entre o casal são frequentes, porque Roy não consegue terminar o que seria seu segundo livro promissor, está desempregado e o salário de Sally não cobre todas as despesas da casa, tendo que recorrer à ajuda financeira de Helena, sua mãe.

Então Roy passa a paquerar a vizinha de apartamento, Dia (Frida Pinto), jovem, bonita, porém com casamento marcado, e esta logo se transforma em sua “musa inspiradora”, desse seu livro que nunca termina.

Sally, por sua vez, se vê apaixonadinha pelo patrão Greg, que não passa do clássico cafajeste cuja mulher “não o entende”, que “o casamento vai mal”, mulher essa que “é bipolar, problemática, tadinha”, que “não se separa por causa das crianças”, etc, etc, etc..., conversinha bem conhecidinha desde que existem seres humanos na Terra, mas os dois, Greg e Sally, não chegam a ter um caso, apenas flertes, embora Sally queira muito e fantasie ter esse caso com ele.

Seria ótimo para ela trocar o fracassado marido-escritor- desempregado pelo bem sucedido, bonito e sedutor Greg...

Mas, voltemos ao pai dela, Alfie.

Alfie descobre que sua loira - vários adjetivos - troféu o trai continuamente e está grávida (e ele, obviamente não tem certeza se é o pai).

Já endividado, procura a ex-mulher Helena e ela não o quer de volta.

Sally descobre que o patrão-bonitão-perfeitão Greg está tendo um caso com sua amiga artista Iris (Anna Friel) e que todas as lorotas que ele contou a ela sobre seu casamento contou a amiga também.

Mesmo assim, Sally sente que perdeu um partidão, que se tivesse dado mais sinais, talvez, sido mais “atirada”, quem sabe ela poderia ter se tornado sua amante, ao invés da amiga.

A essa altura, seu marido Roy já seduziu a vizinha.

Depois de ter o segundo livro finalmente terminado e rejeitado pela editora, Roy resolve roubar o livro escrito por um amigo que, num primeiro momento, pensava que havia morrido num acidente de carro, mas que depois descobre estar em coma; livro este que só Roy tinha conhecimento, tinha lido e achado espetacular.

Não pensa duas vezes: invade a casa do amigo em coma e apresenta o livro à editora como se fosse seu.

Claro: conquista de vez a jovem e volúvel vizinha, a família inteira da moça, que rompe o noivado às vésperas do casamento para ficar com o “talentoso escritor” Roy que, através de uma farsa e de um roubo, agora torce para que o amigo nunca saia do coma, para que acabe morrendo mesmo e que assim não possa reivindicar a autoria do livro que lhe deu prestígio, fama, dinheiro e o amor de uma moça enganada, que estava prestes a subir ao altar para se casar com outro homem, talvez, quem sabe, seu verdadeiro amor.

E Helena?

A lunática, louca, alienada, criticada, a tresloucada e sonhadora Helena passa os dias consultando Cristal (Paulinne Collins), a vidente, tida por todos como charlatã.

Acredita que vai encontrar o homem de seus sonhos, mesmo sendo uma senhora de idade....mesmo depois de 40 anos num casamento....acredita que vai conhecer um estranho que aparecerá em sua vida, de repente, vindo do nada, parecido com ela, com a mesma espiritualidade que a dela, como diz a vidente Cristal.

Sally alimenta as esperanças da mãe, talvez por piedade, talvez para conseguir dela o empréstimo que tanto quer para montar sua própria galeria de arte...

Alimenta essas esperanças, mas odeia quando a mãe fala sobre o futuro dela e de seu marido, Roy.

Crê firmemente que a mãe não passa de uma senhora maluca que precisa urgentemente de um psiquiatra...

Mas Helena só ouve a vidente Cristal e seu coração lunático...

Até que um dia...

Até que um dia conhece Jonathan (Roger Ashton-Griffiths).....um senhor dono de uma livraria de Ocultismo, viúvo e ainda com fixação pela falecida mulher, com a qual tenta contatos espirituais.

Helena não tem a princípio o amor-padrão-revelado de Jonathan; possui sua amizade e companheirismo, pois, em se tratando de amor, acredita que competir com uma morta é tarefa difícil....mas continua o encontrando; saindo com ele e conversando muito.

E Helena, a lunática, a que crê nas estrelas, em fadas, em cartas, em reencarnação, em astrologia, é finalmente pedida em casamento por Jonathan, obviamente, depois da “autorização” da falecida, por meio de contatos espirituais.

Sally fica sozinha e sem montar sua tão sonhada galeria....e sem ter um caso com o bonitão-perfeitão-mentirosão Greg, seu patrão.

Alfie (continua ou não, não se sabe), com sua loira-golpista-troféu, prenha de outro homem, endividado e envergonhado.

Iris vira amante do sedutor e mentiroso Greg, que provavelmente deve ter outras na sua coleção, assim como as obras de arte em sua galeria.

Roy, mergulhado numa nojenta farsa, reza para que o amigo nunca saia do coma e revele a origem do livro que não é seu, da fama que não é sua, do dinheiro que não lhe pertence e do amor de uma mulher que nunca deveria tê-lo amado.

E Helena e Jonathan, os lunáticos que acreditam nas estrelas, em reencarnação, em tarots, em Ocultismo, em bruxas e em Destino, ficam juntos no final ....ao som da fantástica e irresistível “When you whish upon a star”.....

E assim termina esse estranhíssimo e belo (?) conto de fadas de Woody Allen; belo e conto de fadas para mim, uma lunática, como Helena e Jonathan.

E a vidente Cristal estava certa, em tudo que disse.

O filme acabou e fiquei rindo, rindo um riso de revanche.

Nada contra os realistas, longe disso!

Mas é que aquele champanhe no parque....e aquela conversa mística de Helena e Jonathan no final do filme....foram deliciosos demais!!!

Eu estava lá, comemorando com eles!!

Afinal, os “alienados”, os lunáticos, venceram no final.

Fiquei imaginando Helena ajudando Jonathan em sua livraria de Ocultismo e em quanta coisa ela iria ler, fuçar, encomendar para a loja, procurar em sebos, enfim... tanto conhecimento se abrindo para ela, assim, de um modo inusitado, mas esperado em seu coração; quantas conversas maravilhosas teria com os clientes; e depois, no final do dia, ela e Jonathan, indo para casa, felizes, pensando como eram especiais por terem encontrado um ao outro; para Jonathan, que sua falecida Claire devia estar contente por seu casamento com Helena e esta, por sua vez, dando graças a Deus por ter se livrado de um idiota vazio e fútil como Alfie e por ter encontrado....

O homem de seus sonhos!! (sortuda!!!)

E os outros personagens, mereciam encontrar o amor?

Mentiras.

Esse era o universo deles.

Um mundo de luxo, poder, dinheiro, fama, eterna juventude, status social, sucesso, beleza e muita, muita futilidade.

Todos os personagens realistas, pés no chão, afundados até o pescoço na realidade, essa realidade cheia de falsidades e futilidades, continuaram nas mesmas mentiras nas quais viviam.

Que paradoxo, não?

Esse é o mundo de todos os personagens, exceto o de Helena e Jonathan.

Eles, apenas eles, alimentavam uma esperança baseada na inocência, na doçura, na Verdade Interior que era motivo de riso e deboche dos realistas, seguidores dos manuais modernos do “se dar bem”, do “fazer a fila andar”, do troca-troca de pessoas como se fossem mercadorias.

Helena e Jonathan não queriam resolver suas vidinhas através do encontro com uma pessoa idealizada, ou de escrever o livro espetacular, ou de voltar a ter 20 anos, ou de se casar com o escritor do século, ou com a maravilhosa da cidade, ou de se unir ao bem sucedido bonitão das artes, mas deixaram que o Destino guiasse seus corações, uma vez que eram donos das ricas essências que neles estavam contidos.

Mesmo que todos rissem.

Jonathan acreditava que sua falecida mulher era insubstituível, porque a amou de verdade, mesmo depois de morta, até encontrar Helena, que vibrava na mesma sintonia que a sua.

Os outros personagens apenas seguiam padrões ditados pela cultura de consumo, de aparências, enganando aos outros e a si mesmos.

Jonathan e Helena estão para o mundo das crianças, que seguem seus corações, não importando a idade cronológica que possuem.

Os outros personagens se igualam no que há de mais patético, mais superficial, que são esses valores todos aos quais se sacrificaram e que os decepcionaram depois.

Não amam nada, apenas são marionetes nas mãos de um sistema estúpido.

Eram Helena e Jonathan os verdadeiros enganados?

Será que existe mesmo uma Estrela, aquele Arcano 17, brilhando sobre a cabeça dos “lunáticos”?
Creio que sim!!

Afinal, quem é o verdadeiro lunático, depois que tudo o que é passageiro, passa?

Deixo aqui a canção-tema, desejando, com todo meu coração, que todo lunático e lunática-estelar, que todas as Helenas e Jonathans encontrem, no tempo certo, todos os seus sonhos.





Your dream comes true...

27 de abril de 2011

O Labirinto do Fauno e o Caminho Espiritual


Esse filme é uma verdadeira obra-prima, tocante e universal, daqueles que não saem de minha cabeça e que também já vi e revi muitas e muitas vezes.

Daqueles filmes que vem para ficar e criar vários pontos com diversas situações da vida.

De uma beleza de doer na alma e também duro, sombrio, poético e desconcertante.

Do ano de 2006, escrito e dirigido pelo diretor mexicano Guillermo Del Toro, é um conto de fadas que se desenrola simultaneamente à uma triste e cruel realidade.

Ambientado no fim da Guerra Civil Espanhola, em 1944, sob o domínio do general Franco, conta a história de uma menina de 11 anos, Ofélia, órfã de pai, que vai morar com sua mãe, grávida de seu novo marido, o cruel, sanguinário e monstruoso capitão Vidal (interpretado de forma sublime pelo ator catalão Sergi Lopez), um perseguidor de rebeldes da resistência, contrários ao regime fascista e que domina com mão de ferro os humildes habitantes da pequena vila onde é uma espécie de senhor feudal.

A mãe de Ofélia, quando não está na cama, por sofrer uma gravidez de risco, cumpre apenas seu papel de esposa submissa e não se importa com a filha.

Vidal, por outro lado, ocupa-se em “manter a ordem vigente”, dando pouca atenção à esposa, apenas se preocupando com o filho que ela carrega e logo deixa transparecer muita antipatia pela enteada.

Ofélia, uma menina apaixonada por livros, sente-se solitária e rapidamente faz amizade com a discreta e generosa cozinheira da casa, Mercedes, que substitui simbolicamente a mãe ausente.

A menina, em suas andanças pela floresta, descobre um labirinto subterrâneo nas imediações da casa e nele um fauno, uma criatura metade humana, metade bode, que conta que ela é uma princesa de um reino também subterrâneo e que é muito amada e esperada por seus pais verdadeiros, por seu povo e que precisa reassumir seu lugar em seu reino.

O fauno diz a Ofélia que ela precisará provar que não se tornou uma mortal e assim vai dando- lhe difíceis e perigosas tarefas para cumprir, todas num mundo invisível aos olhos das outras pessoas. As tarefas de prova são três que a menina terá que cumprir.

Também lhe entrega um livro em branco, cujas páginas serão preenchidas com imagens do futuro, isto é, daquilo que Ofélia deverá fazer, ou o Destino.

A menina então passa os dias driblando a vigilância da mãe e do cruel padrasto, percorrendo bosques fantásticos, conversando com fadas, penetrando em universos paralelos e visitando o dúbio fauno, que sempre lhe propõe mais e mais desafios.

Lá fora, a realidade é de submissão ao fascismo, por parte de uns, e de luta e resistência, por parte dos rebeldes ao governo franquista, sistematicamente perseguidos pelo capitão Vidal, que faz derramar muito sangue.

Uma triste e sufocante realidade.

O filme narra, por meio do fantástico, não só as dores e a opressão da guerra e da injustiça vistos aos olhos da pureza infantil; sobretudo mostra um Caminho Iniciático, através da pureza de coração da personagem principal, a garota Ofélia.

Pode-se pensar que todo o mundo invisível que se apresenta a ela, incluindo o fauno, é fruto de sua imaginação para escapar à dura realidade e sobreviver a ela, processo comum nas crianças.

Essa é a interpretação mais superficial do filme.

Digamos, extremamente superficial.

Pode-se pensar também que a menina tem traços esquizofrênicos, como pensam outros ainda menos dotados de imaginação e presos demais somente àquilo que pode ser visto e mensurável.

Só que a mensagem é mais ampla.

Trata-se de um filme arquetípico, usando como pano de fundo uma “realidade” em sua faceta mais cruel: a guerra.

O filme começa com um narrador contando que num reino subterrâneo havia uma princesa que queria conhecer o mundo dos humanos e que em seu reino não havia nem mentiras nem dor e que um dia ela fugiu e veio à superfície.

A luz do sol fez com que ela perdesse a memória e a princesa acabou morrendo, mas seu pai, o rei, sabia que ela voltaria um dia, em outro corpo, em outra época.

Tudo nos leva a crer que se trata de Ofélia.

É filha de um rei, amada por seus familiares, princesa de um mundo subterrâneo, esse Reino Superior do qual ela tinha vindo e que ora se encontrava distante.

Mas, de qual mundo subterrâneo o narrador nos fala? Que mundo é esse onde não há mentiras nem dor, onde ela é princesa, onde o Reino é verdadeiro, onde há harmonia e justiça e que ela, por curiosidade, teria fugido, para conhecer o mundo dos humanos, onde acabou morrendo?

De que verdade teria escapado a menina, para sucumbir em uma “realidade” cheia de mentiras?

De que mundo veio Ofélia, segundo o fauno?

Creio que este seja o grande tópico do filme: a busca da Verdade, mesmo que ela se esconda numa realidade que poucos podem ver.

Acreditamos que o que é real é só aquilo que podemos ver, tocar, cheirar, medir, contar, ouvir, sentir com os cinco sentidos e que podemos compartilhar com as outras pessoas, isto é, somente aquilo que os outros também testemunham é que pode ser chamado de realidade.

Por isso, nesse texto, de vez em quando usarei aspas para o termo realidade.

Essa “realidade” que é dividida e presenciada também pelos outros é a única coisa possível de existência.

Toda e qualquer percepção individual, isto é, aquilo que só eu ou só aquele sujeito vê, ouve ou sente já é considerado alucinação, fruto de uma mente doente, ou na melhor das hipóteses, fruto de uma personalidade muito criativa e imaginativa, mas nunca pode ser considerada realidade, porque “realidade” é somente aquilo que todos estão presenciando.

A chuva que cai às 4 horas da tarde na cidade de Santos é real, mas a pessoa que se materializa diante dos olhos de João não pode ser real, tem que ser uma alucinação do moço!!

Ainda mais se João estiver com mais pessoas por perto e afirmar ver alguém que ninguém mais vê!!

É nesse universo subjetivo, que não pode ser compartilhado com os demais, mas do qual podem sentir seus efeitos que Ofélia está inserida.

Ofélia é uma menina de valores nobres como solidariedade, amor, fé, compaixão, inocência, pureza, amizade, espírito de sacrifício e altruísmo e as tarefas impostas pelo fauno, para que retorne ao seu Reino, exigirão que ela os coloque em prática.

São as provas que a menina dará que não se tornou uma “mortal”, isto é, que não se tornou como a maioria das pessoas, que não são dotadas desses valores.

Que não foi contaminada pelos vírus da ganância, do poder, da inveja, do medo, do egoísmo, da arrogância, da mentira, do engano.

Nós, ocultistas, sabemos muito bem o que isso significa: trata-se de um processo sacrificial, que nos faz abdicar de todo conforto que as glórias mundanas podem proporcionar e que nos leva a uma Trilha difícil que um dia, lá atrás, escolhemos seguir.

Um Caminho árduo, dificílimo, cheio de tarefas e provas, solitário, mas impossível de ser abandonado.

Alienação?

E quem é o verdadeiro alienado? Ofélia ou Vidal?

O que é mais real? O mundo de Vidal, do general Franco, da Segunda Guerra Mundial, do domínio de Hitler sobre a Europa, ou o mundo de Ofélia, de seus valores espirituais, de faunos, fadas, mandrágoras mágicas e sonhos?

Um ano depois o fascismo seria varrido da Europa; o general Franco estaria deposto; Hitler morto e o nazismo reduzido às cinzas e os seres de Ofélia, assim como seus valores, continuariam e continuam a habitar o inconsciente coletivo e alma humana como sempre habitaram.

Quantos reinos de reis antigos e modernos, sejam eles da Roma do século II ou da Manhattan do século XXI, se dissolveram feito pó ao vento, enquanto os sonhos e os valores da garota Ofélia estão escritos até hoje, inabaláveis, na indestrutível rocha dos tempos?

Seriam metas da evolução?

Creio que sim.

Há quem diga que o mundo sempre será feito de vidais e ofélias.

Por enquanto.

Como ocultista, creio que um dia os vidais desaparecerão, quando essas metas forem atingidas.

Quando alcançarmos a condição de príncipes e princesas de um Reino onde não há nem mentiras nem dor, quando formos amados e amarmos nosso verdadeiro Pai e descobrirmos a essência de Sua criação em nós mesmos.

Seguimos então, esta meta, atentos às passagens das Ofélias que por aqui transitam, e como nos conta no final o narrador:

“E dizem que a princesa retornou ao reino de seu pai,

Que reinou por muitos séculos,

Que foi amada por seus súditos e que deixou atrás de si pequenos sinais de sua passagem pela Terra, visíveis apenas para aqueles que sabem aonde olhar.”

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