27 de abril de 2011

O Labirinto do Fauno e o Caminho Espiritual


Esse filme é uma verdadeira obra-prima, tocante e universal, daqueles que não saem de minha cabeça e que também já vi e revi muitas e muitas vezes.

Daqueles filmes que vem para ficar e criar vários pontos com diversas situações da vida.

De uma beleza de doer na alma e também duro, sombrio, poético e desconcertante.

Do ano de 2006, escrito e dirigido pelo diretor mexicano Guillermo Del Toro, é um conto de fadas que se desenrola simultaneamente à uma triste e cruel realidade.

Ambientado no fim da Guerra Civil Espanhola, em 1944, sob o domínio do general Franco, conta a história de uma menina de 11 anos, Ofélia, órfã de pai, que vai morar com sua mãe, grávida de seu novo marido, o cruel, sanguinário e monstruoso capitão Vidal (interpretado de forma sublime pelo ator catalão Sergi Lopez), um perseguidor de rebeldes da resistência, contrários ao regime fascista e que domina com mão de ferro os humildes habitantes da pequena vila onde é uma espécie de senhor feudal.

A mãe de Ofélia, quando não está na cama, por sofrer uma gravidez de risco, cumpre apenas seu papel de esposa submissa e não se importa com a filha.

Vidal, por outro lado, ocupa-se em “manter a ordem vigente”, dando pouca atenção à esposa, apenas se preocupando com o filho que ela carrega e logo deixa transparecer muita antipatia pela enteada.

Ofélia, uma menina apaixonada por livros, sente-se solitária e rapidamente faz amizade com a discreta e generosa cozinheira da casa, Mercedes, que substitui simbolicamente a mãe ausente.

A menina, em suas andanças pela floresta, descobre um labirinto subterrâneo nas imediações da casa e nele um fauno, uma criatura metade humana, metade bode, que conta que ela é uma princesa de um reino também subterrâneo e que é muito amada e esperada por seus pais verdadeiros, por seu povo e que precisa reassumir seu lugar em seu reino.

O fauno diz a Ofélia que ela precisará provar que não se tornou uma mortal e assim vai dando- lhe difíceis e perigosas tarefas para cumprir, todas num mundo invisível aos olhos das outras pessoas. As tarefas de prova são três que a menina terá que cumprir.

Também lhe entrega um livro em branco, cujas páginas serão preenchidas com imagens do futuro, isto é, daquilo que Ofélia deverá fazer, ou o Destino.

A menina então passa os dias driblando a vigilância da mãe e do cruel padrasto, percorrendo bosques fantásticos, conversando com fadas, penetrando em universos paralelos e visitando o dúbio fauno, que sempre lhe propõe mais e mais desafios.

Lá fora, a realidade é de submissão ao fascismo, por parte de uns, e de luta e resistência, por parte dos rebeldes ao governo franquista, sistematicamente perseguidos pelo capitão Vidal, que faz derramar muito sangue.

Uma triste e sufocante realidade.

O filme narra, por meio do fantástico, não só as dores e a opressão da guerra e da injustiça vistos aos olhos da pureza infantil; sobretudo mostra um Caminho Iniciático, através da pureza de coração da personagem principal, a garota Ofélia.

Pode-se pensar que todo o mundo invisível que se apresenta a ela, incluindo o fauno, é fruto de sua imaginação para escapar à dura realidade e sobreviver a ela, processo comum nas crianças.

Essa é a interpretação mais superficial do filme.

Digamos, extremamente superficial.

Pode-se pensar também que a menina tem traços esquizofrênicos, como pensam outros ainda menos dotados de imaginação e presos demais somente àquilo que pode ser visto e mensurável.

Só que a mensagem é mais ampla.

Trata-se de um filme arquetípico, usando como pano de fundo uma “realidade” em sua faceta mais cruel: a guerra.

O filme começa com um narrador contando que num reino subterrâneo havia uma princesa que queria conhecer o mundo dos humanos e que em seu reino não havia nem mentiras nem dor e que um dia ela fugiu e veio à superfície.

A luz do sol fez com que ela perdesse a memória e a princesa acabou morrendo, mas seu pai, o rei, sabia que ela voltaria um dia, em outro corpo, em outra época.

Tudo nos leva a crer que se trata de Ofélia.

É filha de um rei, amada por seus familiares, princesa de um mundo subterrâneo, esse Reino Superior do qual ela tinha vindo e que ora se encontrava distante.

Mas, de qual mundo subterrâneo o narrador nos fala? Que mundo é esse onde não há mentiras nem dor, onde ela é princesa, onde o Reino é verdadeiro, onde há harmonia e justiça e que ela, por curiosidade, teria fugido, para conhecer o mundo dos humanos, onde acabou morrendo?

De que verdade teria escapado a menina, para sucumbir em uma “realidade” cheia de mentiras?

De que mundo veio Ofélia, segundo o fauno?

Creio que este seja o grande tópico do filme: a busca da Verdade, mesmo que ela se esconda numa realidade que poucos podem ver.

Acreditamos que o que é real é só aquilo que podemos ver, tocar, cheirar, medir, contar, ouvir, sentir com os cinco sentidos e que podemos compartilhar com as outras pessoas, isto é, somente aquilo que os outros também testemunham é que pode ser chamado de realidade.

Por isso, nesse texto, de vez em quando usarei aspas para o termo realidade.

Essa “realidade” que é dividida e presenciada também pelos outros é a única coisa possível de existência.

Toda e qualquer percepção individual, isto é, aquilo que só eu ou só aquele sujeito vê, ouve ou sente já é considerado alucinação, fruto de uma mente doente, ou na melhor das hipóteses, fruto de uma personalidade muito criativa e imaginativa, mas nunca pode ser considerada realidade, porque “realidade” é somente aquilo que todos estão presenciando.

A chuva que cai às 4 horas da tarde na cidade de Santos é real, mas a pessoa que se materializa diante dos olhos de João não pode ser real, tem que ser uma alucinação do moço!!

Ainda mais se João estiver com mais pessoas por perto e afirmar ver alguém que ninguém mais vê!!

É nesse universo subjetivo, que não pode ser compartilhado com os demais, mas do qual podem sentir seus efeitos que Ofélia está inserida.

Ofélia é uma menina de valores nobres como solidariedade, amor, fé, compaixão, inocência, pureza, amizade, espírito de sacrifício e altruísmo e as tarefas impostas pelo fauno, para que retorne ao seu Reino, exigirão que ela os coloque em prática.

São as provas que a menina dará que não se tornou uma “mortal”, isto é, que não se tornou como a maioria das pessoas, que não são dotadas desses valores.

Que não foi contaminada pelos vírus da ganância, do poder, da inveja, do medo, do egoísmo, da arrogância, da mentira, do engano.

Nós, ocultistas, sabemos muito bem o que isso significa: trata-se de um processo sacrificial, que nos faz abdicar de todo conforto que as glórias mundanas podem proporcionar e que nos leva a uma Trilha difícil que um dia, lá atrás, escolhemos seguir.

Um Caminho árduo, dificílimo, cheio de tarefas e provas, solitário, mas impossível de ser abandonado.

Alienação?

E quem é o verdadeiro alienado? Ofélia ou Vidal?

O que é mais real? O mundo de Vidal, do general Franco, da Segunda Guerra Mundial, do domínio de Hitler sobre a Europa, ou o mundo de Ofélia, de seus valores espirituais, de faunos, fadas, mandrágoras mágicas e sonhos?

Um ano depois o fascismo seria varrido da Europa; o general Franco estaria deposto; Hitler morto e o nazismo reduzido às cinzas e os seres de Ofélia, assim como seus valores, continuariam e continuam a habitar o inconsciente coletivo e alma humana como sempre habitaram.

Quantos reinos de reis antigos e modernos, sejam eles da Roma do século II ou da Manhattan do século XXI, se dissolveram feito pó ao vento, enquanto os sonhos e os valores da garota Ofélia estão escritos até hoje, inabaláveis, na indestrutível rocha dos tempos?

Seriam metas da evolução?

Creio que sim.

Há quem diga que o mundo sempre será feito de vidais e ofélias.

Por enquanto.

Como ocultista, creio que um dia os vidais desaparecerão, quando essas metas forem atingidas.

Quando alcançarmos a condição de príncipes e princesas de um Reino onde não há nem mentiras nem dor, quando formos amados e amarmos nosso verdadeiro Pai e descobrirmos a essência de Sua criação em nós mesmos.

Seguimos então, esta meta, atentos às passagens das Ofélias que por aqui transitam, e como nos conta no final o narrador:

“E dizem que a princesa retornou ao reino de seu pai,

Que reinou por muitos séculos,

Que foi amada por seus súditos e que deixou atrás de si pequenos sinais de sua passagem pela Terra, visíveis apenas para aqueles que sabem aonde olhar.”

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