2 de dezembro de 2011

Perséfone, Hades e o Autoconhecimento


Era uma vez uma menina chamada Koré, que colhia narcisos num lindo campo.

Bem, não era exatamente uma menina, mas uma mulher; só que de tão apegada à sua meninice, ao seu mundo de luzes, proteção absoluta, felicidade e de tão certa que estava de seu permanente conforto diante da vida, era de fato, e por isso tudo, uma menina.

Mas naquele dia alguém a espreitava da entrada de uma gruta subterrânea.

E, num único lance, um homem, saindo daquela profunda fresta no chão e apaixonado por essa sua ingenuidade e beleza, a raptou da superfície e a levou para o seu Reino, o Inferno.

A mãe de Koré, a rainha Deméter, desesperada, procurou incessantemente pela filha, durante 9 dias e 9 noites e muito deprimida, não permitiu mais que as plantas crescessem, que as flores surgissem e nem que as árvores dessem frutos.

Enquanto isso, Koré, a menina, conhecia o Inferno e seu Rei, Hades, o raptor.

Viu tudo o que se passava lá dentro: seres que jamais tinha visto; pessoas perturbadas, outras possessas ; outras loucas e outras em sono profundo; muitas delas eram recém-chegadas, sem nem mesmo saber onde estavam; sentiu o frio, o calor extremo, a falta ou o excesso de sono e tomou do ópio diário que Hades lhe oferecia.

E com ele Koré teve noites e noites de sexo, de prazer, de embriaguez, de alucinações e de torpor e foi assim que foi conhecendo cada vez mais aquele Reino, as pessoas que ali moravam: umas em silêncio, outras gritando para sair e tudo o mais que fazia parte do Reino da Escuridão.

E conheceu também tudo aquilo que nunca soube; tudo e todos que viviam sob a Terra e com eles conversou, riu e chorou; viu a beleza das crateras, o silêncio secreto das sombras, a maravilha das pedras ardentes; árvores completamente secas com folhas verdes surgindo; pássaros em chamas, gritando para renascer das cinzas; lobos, feras e também ouviu histórias de vida, muitas e muitas histórias interessantes, de lutas, erros, acertos e tudo mais que compõe a saga daquilo que nos torna humanos.

E também foi conhecendo Hades, o Rei infernal, que a fez a Rainha do Inferno.

Hades, sempre soturno, misterioso, silencioso, profundo e reticente; mago iniciado das Sombras, imperando sobre o Abismo, o Oculto e sobre todas as almas e coisas e seres que lá se encontravam, apaixonou-se por Koré, prisioneira dele, e ela por ele, como a Fera amou a Bela e vice-versa.

E o tempo foi passando.

Foi passando até que Koré, agora chamada Perséfone, a Rainha do Inferno, mulher de Hades, sentiu muita saudade de casa, do seu mundo, dos narcisos, do sol, do campo, dos amigos e de sua mãe, Deméter.

E saudade de si mesma.

E a falta que fazia tudo isso, mesmo amando Hades, fez com que ela definhasse, se esgotasse, ao ponto mesmo de rejeitar qualquer alimento que fosse.

Enquanto isso, Deméter, Rainha dos campos, das árvores, das sementes, das colheitas e de Tudo o que é Criação na Terra, mergulhava também em profunda depressão, por sentir imensa falta da filha e foi fazendo da Terra um lugar sem vida, sem flores, sem trigo, sem vegetação, sem nada.

Três meses se passaram e Zeus, pai de Koré, não conseguia acalmar Deméter e ela, desesperada, pediu ajuda à Hermes, Mensageiro do Reino da Terra e dos Céus e Grande Iniciador.

Hermes então desceu ao Inferno e teve um encontro com Hades.

Disse que vinha em nome de Zeus, senhor de Todo o Universo e em nome de Deméter, Rainha de Toda a Criação e exigiu que ele, Hades, devolvesse Perséfone.

Hades concordou; afinal, não ia lutar contra um poder tão grande como esse, mas antes, ardilosamente, ofereceu a Perséfone doces e atraentes sementes de romã.

Ela, meio desconfiada, aceitou a oferta e comeu das sementes.

Hermes, sem perder tempo, a tomou nos braços e a trouxe de volta para a superfície e foi assim, para a alegria de sua mãe e de toda a Terra, que os campos voltaram a florir, as árvores voltaram a dar frutos e os narcisos floresceram novamente.

Só que algo tinha acontecido.

Perséfone tinha comido as sementes de romã dadas por Hades e por causa disso, selado um pacto sem palavras, de eterno retorno ao seu Reino Infernal.

E assim, durante 3 meses do ano, ela deveria voltar para Hades e no restante, estaria na superfície.

Por 3 meses então, a Terra nada daria de frutos e durante 9, seria fértil.

E é por isso que até hoje há as 4 estações do ano : quando Perséfone retorna para seu marido Hades, dá-se o Inverno.

E ela, Perséfone, a ex-menina e agora mulher, como recompensa dos deuses, jamais envelheceria, permanecendo para sempre com a aparência de jovem, porém mulher.

Essa linda história, a mais linda que há em toda Mitologia Grega, é a história de muitas, muitas coisas.

Primeiro, a história do mergulho ao Inferno Pessoal e o que ele tem a nos ensinar e a nos oferecer.

A menina inocente nunca mais seria a mesma, depois de conhecer Hades e com ele realizar uma espécie de casamento secreto, que resultou no que pode ser chamado de “Luz das Sombras” e que talvez, creio eu, não poderia ter acontecido de outro modo a não ser este.

E depois de conhecer seu Reino, repleto de pessoas e coisas que jamais imaginaria, nada seria como era antes.

A submersão de Koré, arrastada por seu inconsciente, personificado pelo masculino que há nela (Hades), a fez crescer.

Afastada de seu mundo, Koré aprendeu ao descer e a ver as lições nisso.

Soube que existia outro universo, feito de pessoas cujo mundo não era o brilhante e ensolarado mundo onde antes vivia e que esse mundo sombrio era tão real e essas pessoas tão vivas quanto seu campo de narcisos.

Segundo: identificada com uma espécie de “Animus Sombrio”, Perséfone amou Hades e lá no Inferno, ouviu muita gente; gente que era gente dentro dela mesma e por isso, ouviu o canto secreto e abafado daquilo que, sem saber, carregava dentro de si.

O oculto que era seu talento de dentro da escuridão da alma; daquilo que nunca soube de si; das forças, das vontades, dos anseios, das suas capacidades desprezadas que moravam na cratera de seu inconsciente e que precisavam ser vistos, mesmo que seu ego tivesse que ser literalmente raptado à luz do dia, na colheita ingênua dos narcisos.

Era a hora das sombras, Koré!!

A hora de se tornar completa e se tornar também uma mulher!!

Terceiro: o que eu chamaria de “A Dependência da Luz”.

Parece que sempre temos que ser imperadores de tudo; que sempre temos que dar respostas para tudo e sempre temos que ter algo iluminado a fazer diante de qualquer circunstância.

Acertar sempre, nunca errar, nunca fraquejar, nunca, nunca perder: isso é o que frequentemente cobramos de nós e que o mundo nos cobra.

Só que tem hora que temos que ser raptados de nossos campos narcísicos para alguma Sombra, seja lá qual for, para assim podermos enxergar a Verdadeira Luz!!!

Falo daqueles momentos difíceis em nossas vidas: perdas, depressão, doenças, desespero, sofrimento psíquico, físico, espiritual, relacionamentos terríveis ou qualquer outro fato que nos tira do chão e nos leva ao inferno.

Isso tudo tem muito a nos ensinar; mesmo sendo indesejáveis, se soubermos dialogar com os seres que habitam no escuro dentro de nós, isto é, nosso inconsciente, poderemos sair vitoriosos e mais fortes desta descida.

Quarto: o “Retorno Premeditado”.

Perséfone.....por que será que comeu das sementes oferecidas por Hades, se já estava de saída?

Provavelmente, porque tinha feito um elo não apenas com Hades, mas com tudo o que o cercava: tinha descoberto sua maturidade e sua capacidade de amar, de ouvir os outros e assim, aprendido e apreendido uma outra realidade da qual não queria se afastar para sempre.

Perséfone tinha se tornado uma espécie de guia e lá no fundo, sabia que seria útil àqueles que lá estavam e aos futuros que lá ingressariam.

Porque jamais voltamos os mesmos, quando descemos às Profundezas.

Numa segunda ou terceira vez, de novo, no subterrâneo da vida, já conhecemos o caminho e sabemos onde fica a saída.

Porque a vida, A Roda da Fortuna, é feita de subidas e descidas.

Cada vez que tivermos nosso Inferno, Inverno ou não, é mais uma estação: ciclos, retorno à superfície, autoconhecimento, sabedoria, descida, subida e descida e subida e campos secos e campos férteis, frio ou calor; e aprender e ensinar no Inferno, Inverno, Outono e Verão e Primavera.

Esta é a Roda.

Quinto: “O Pacto com os Deuses”.

Perséfone, ao selar um contrato tácito com Hades, sem palavras, sem assinaturas, mas com Hermes por testemunha, quando comeu as sementes de romã, ganha dos deuses a eterna juventude; seria para sempre as duas coisas: a mulher sombria, que bem conhece (e muito bem!) os caminhos do inconsciente e seria também a eterna jovem, para guiar para sempre aqueles viajantes de primeira estrada.

Ou seja, uma Iniciada.
No fundo, não acredito que Perséfone tenha que ser um mito necessariamente fadado à identificação feminina, embora o arquétipo assim o represente; no tarot, Perséfone corresponde ao Arcano 2, a Grande Sacerdotisa, mas também há elementos dela no Diabo, Arcano 15; igualmente na Torre, Arcano 16 e em outros Arcanos Maiores e Menores onde haja a descida ao Reino de Hades.

Sem dúvida, há mulheres Perséfones, eternas jovens, tanto na aparência como no espírito; que já desceram muitas vezes ao inferno e que tiveram verdadeiros homens - Hades em suas vidas e que muitas e muitas delas são ligadíssimas às suas mães Deméteres.

Mas creio também que muitos homens tiveram experiência semelhante, da descida ao Inferno Pessoal, raptados pelo inconsciente, só que no caso, Hades como a própria Sombra Masculina Inconsciente e que depois retornaram, mais fortes e mais corajosos, depois dessa obscura jornada.

Afinal, a história de Perséfone, a história de Koré, é uma das tantas histórias dos Caminhos do Autoconhecimento.

E isto sempre será Universal.


Deixo aqui esse video que gosto muito, com legendas em inglês e português, da banda sueca Therion, de Heavy Metal Sinfônico, que conta a história de Perséfone.  A música é Dark Venus Persephone, linda! Espero que gostem!

http://www.youtube.com/watch?v=PP7TiQP7XmA


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