Poesias

Aos Deuses

Aos deuses peço só que me concedam
O nada lhes pedir. A dita é um jugo
E o ser feliz oprime
Porque é um certo estado.
Não quieto nem inquieto meu ser calmo
Quero erguer alto acima de onde os homens
Têm prazer ou dores.
(Ricardo Reis) -Fernando Pessoa
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Cárcere das Almas

Ah! Toda a alma num cárcere anda presa,
Soluçando nas trevas, entre as grades
Do calabouço olhando imensidades,
Mares, estrelas, tardes, natureza.

Tudo se veste de uma igual grandeza
Quando a alma entre grilhões as liberdades
Sonha e, sonhando, as imortalidades
Rasga no etéreo o Espaço da Pureza.

Ó almas presas, mudas e fechadas
Nas prisões colossais e abandonadas,
Da Dor no calabouço, atroz, funéreo!

Nesses silêncios solitários, graves,
que chaveiro do Céu possui as chaves
para abrir-vos as portas do Mistério?!
(Cruz e Souza)
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Encontro contigo mesmo

Quantas vezes te encontras com teus amigos?
E nunca te encontras contigo mesmo?
Não com o teu ego externo - sim com o teu Eu interno...
O encontro com o teu centro resolveria
os problemas das tuas periferias.

O encontro com tua alma resolveria
os problemas da tua mente e do teu corpo.
Marca, cada manhã cedo, um encontro com tua alma.
Longe de todos os ruídos da tua mente e do teu corpo.
Isola-te em profundo silêncio e solidão.
Esvazia-te de tudo que tens
- e serás plenificado pelo que és.

Faze do teu ego uma total vacuidade
- e serás plenificado pelo Eu divino.
Onde há uma vacuidade acontece uma plenitude
- é esta a maravilhosa matemática do Universo.

Entra, cada manhã, num grande silêncio
- num silêncio pleniconsciente.
No silêncio da presença.
No silêncio da plenitude.

Abre os teus canais rumo à fonte cósmica
- e as águas vivas do Universo fluirão
através de teus canais.
E nunca mais te sentirás
frustrado, angustiado, infeliz.

Esse encontro com o teu centro de energia
beneficiará todas as periferias da tua vida diária.
Até os trabalhos mais prosaicos te parecerão poéticos.
E as pessoas antipáticas te serão simpáticas.

Nenhuma injustiça te fará injusto.
Nenhuma maldade te fará mau.
Nenhuma ingratidão te fará ingrato.
Nenhuma amargura te fará amargo.
Nenhuma ofensa te fará ofensor nem ofendido.
E estenderás o arco-íris da paz
sobre todos os dilúvios das tuas lágrimas.
Se te encontrares contigo mesmo...

Isola-te, numa hora de profundo silêncio e solidão.
Mais tarde, serás capaz de estar a sós contigo
em plena sociedade,
no meio da tua atividade profissional.
E então terás resolvido definitivamente
o problema da tua vida terrestre.
O mundo de Deus
não te afastará mais do Deus do mundo.
(Humberto Rohden)
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Místico

O ar está cheio de murmúrios misteriosos
E na névoa clara das coisas há um vago sentido de espiritualização…
Tudo está cheio de ruídos sonolentos
Que vêm do céu, que vêm do chão
E que esmagam o infinito do meu desespero.

Através do tenuíssimo de névoa que o céu cobre
Eu sinto a luz desesperadamente
Bater no fosco da bruma que a suspende.
As grandes nuvens brancas e paradas -
Suspensas e paradas
Como aves solícitas de luz -
Ritmam interiormente o movimento da luz:
Dão ao lago do céu
A beleza plácida dos grandes blocos de gelo.

No olhar aberto que eu ponho nas coisas do alto
Há todo um amor à divindade.
No coração aberto que eu tenho para as coisas do alto
Há todo um amor ao mundo.
No espírito que eu tenho embebido das coisas do alto
Há toda uma compreensão.

Almas que povoais o caminho de luz
Que, longas, passeais nas noites lindas
Que andais suspensas a caminhar no sentido da luz
O que buscais, almas irmãs da minha?
Por que vos arrastais dentro da noite murmurosa
Com os vossos braços longos em atitude de êxtase?
Vedes alguma coisa
Que esta luz que me ofusca esconde à minha visão?
Sentis alguma coisa
Que eu não sinta talvez?
Por que as vossas mãos de nuvem e névoa
Se espalmam na suprema adoração?
É o castigo, talvez?

Eu já de há muito tempo vos espio
Na vossa estranha caminhada.
Como quisera estar entre o vosso cortejo
Para viver entre vós a minha vida humana...
Talvez, unido a vós, solto por entre vós
Eu pudesse quebrar os grilhões que vos prendem...

Sou bem melhor que vós, almas acorrentadas
Porque eu também estou acorrentado
E nem vos passa, talvez, a idéia do auxílio.
Eu estou acorrentado à noite murmurosa
E não me libertais...

Sou bem melhor que vós, almas cheias de humildade.
Solta ao mundo, a minha alma jamais irá viver convosco.

Eu sei que ela já tem o seu lugar
Bem junto ao trono da divindade
Para a verdadeira adoração.
Tem o lugar dos escolhidos
Dos que sofreram, dos que viveram e dos que compreenderam.
(Vinícius de Moraes)
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