29 de abril de 2010

O Enforcado, nossa Iniciação


Lá está ele: solitário, preso por um dos pés a um galho de árvore, mãos para trás, olhos abertos, vendo o mundo de cabeça para baixo e apesar disso, seu rosto não é de desespero.
Não sabemos se suas mãos estão atadas ou se simplesmente repousam atrás de seu corpo.
Parece que espera por algo, não se sabe ao certo o quê, mas também não podemos dizer que está em agonia, ao contrário: há uma sugestão no ar de que ele sabe exatamente porque está ali.

Quem sabe, queira inclusive, estar ali...

Em alguns baralhos de tarot o nome deste Arcano é O Dependurado, caracterizando muito bem a situação do personagem. No tarot de Rider-Waite, sua cabeça, que não encosta o chão, emana uma luz brilhante, como uma espécie de aura.
Se olharmos bem para esse pendurado, percebemos que ele parece não querer lutar contra sua condição. Apesar da posição incômoda e antinatural, é possível afirmar que ele a aceita.

Está sozinho, abandonado aos possíveis ataques de feras, às tempestades, ao sol impiedoso, às noites silenciosas, mas deve valer a pena essa tarefa...

O Enforcado, décimo segundo Arcano do Tarot, precedente da Morte, representa sobretudo o sacrifício e a suspensão de um estágio de vida para que haja a passagem para uma nova fase.

É o momento onde há um impasse: simplesmente não podemos prosseguir com nossos valores e modo de vida que até então nos agradava (ou nos enganava) e é preciso escolher um outro caminho, aquele verdadeiro, que ainda não sabemos qual é, mas que ainda vamos descobrir.

Então sacrificamos nosso antigo modo de viver, deixando de fazer algumas coisas que antes nos davam prazer e que faziam sentido, ou que pelo menos pareciam preencher nossos vácuos interiores, mas que em determinada Grande Hora, deixam de cumprir essa missão.

Os sacrifícios que nos surgem podem ser impostos pela vida, que nos pega pelo pé, muitas vezes nos leva ao chão, nos paralisa também, assim como nosso homem pendurado e que nos força a ver as coisas sob outra perspectiva, mesmo que seja de cabeça para baixo.
Quando isso nos acontece, vem sempre acompanhado de revolta, de sentimento de abandono, de culpa, de raiva e muitas vezes de períodos de depressão.

Porque não suportamos as lições da vida: sempre pensamos que seria ótimo que tudo fosse como um parque de diversões e de prazeres, porque confundimos a necessidade de se ter uma criança dentro de si e o que é ser uma eterna criança, cuja vida se assemelha a uma grande brincadeira.

Mesmo os sacrifícios voluntários, aqueles que fazemos para conquistar o que queremos, não são muito bem vistos.

No plano material, são as nossas noites de sono perdidas, porque precisamos trabalhar mais ou estudar mais; as dietas que fazemos para melhorar a saúde, as economias, os treinos cansativos, enfim, nossos esforços e abdicações diárias.

No plano espiritual e psíquico, o mais difícil de todos os sacrifícios, é o abandono do antigo e a aceitação do desafio do novo.

É a parada antes da travessia inadiável. É a crise antes da mudança.
É a preparação para a morte: não a morte física, mas a morte do espírito imaturo e sem compromissos com sua essência.
É o nono mês no ventre da mãe; é a semente que está prestes a rasgar a terra; a despedida inevitável e dolorosa de uma condição com a qual não se pode mais prosseguir.

Por isso o fato do Enforcado possuir uma aura em torno de sua cabeça: está pendurado para atingir a iluminação necessária para renascer.

É então, um processo de Iniciação Espiritual.

Nas grandes ordens ocultistas, em algumas tribos e em algumas religiões, o futuro iniciado passa por uma série de rituais e também de sacrifícios, para que possa vir a ser um outro homem.
Ele se vê despido daquilo que o acorrentava e que não raro era visto como seguro e imprescindível em sua vida e que só com a necessidade do autoconhecimento e do aperfeiçoamento como ser humano, além do conhecimento que tanto quer atingir, é que o iniciado aceita esse sacrifício e a mudança que virá.
E então o que era seu sustentáculo passa a ser irrelevante; o que nunca foi percebido passa a ter importância enorme.

Esse é o sentido de ver as coisas invertidas, de cabeça para baixo: um mergulho no nosso inconsciente, depositário de nossas verdades, portador de toda a Luz ignorada, de todos os mapas, guia para nossa completude.

É lógico que quando passamos pela fase do Enforcado, com a suspensão de muitas de nossas atividades, abandono de amizades, de amores, de uma profissão, de uma cidade, de um estilo de vida, de algo que perseguíamos e que agora não faz mais o menor sentido, isto é, quando revisamos nossos valores, a maioria das pessoas acha que estamos doentes, deprimidos, loucos, precisando de ajuda e logo querem nos tirar dessa condição.

Porque a sociedade não suporta os Dependurados: temos sempre que sorrir, aparentar contentamento, aceitar o que nos é imposto por ela e buscar o que a maioria dita ser bom.
Não aceitam crises, questionamentos e que desafiemos os valores vigentes.

O processo de iniciação psicológica e espiritual é, antes de tudo, uma forma absoluta de rebeldia, a maior delas, na medida em que traz para o indivíduo o conhecimento de si mesmo e consequentemente, o torna livre.

Porque conhecer-se é romper com conceitos impostos e esta liberdade real e plena é impossível de ser controlada ou retirada.
Descoberta nossa natureza e essência reais, os brinquedos sociais que antes nos distraíam perdem sua capacidade de nos iludir.

Por isso ele está ali: compreende que é preciso ser livre!!
Por isso não teme a Natureza e suas ameaças, nem muito menos a solidão.
O que virá pela frente é seu próprio eu, lapidado, melhorado, certo de seus caminhos e é preciso paciência e espera.
Aprendeu que a Vida é um processo ambíguo, de dor e alegria, de contentamento e decepção e que para ser feliz precisará primeiro estar feliz com todas as partes de sua psique.
Que precisará estar em paz com sua alma e terá que ser alguém por inteiro.

Sabe que sem esse sacrifício interior, doloroso, solitário, não atingirá a posterior plenitude.
Que sem ele nunca passará de um projeto, de uma marionete nas mãos dos outros, cativo no mundo e alienado de si mesmo.
Não tem vergonha de sua paralisação provisória, porque sua mente recebe e possui Luz.

Acabou-se um ciclo, o nº 12, e através da dor, de sua crise, realiza sua primeira Redenção.
Assim, constrói a ponte que o levará a si mesmo.
E está pronto para a mudança.

Como uma fênix, para a Grande e inadiável Transformação.

7 de abril de 2010

A Força, Arcano nº 11


O Arcano nº 11 do Tarot, a Força (em alguns baralhos ele aparece como o nº 8) representa nossa vontade, ação, controle, coragem e sobretudo, nossa força interior.
No tarot de Marselha, que acredito ter a representação mais bonita do Arcano, uma mulher segura a boca de um leão, sem arma alguma, numa atitude de domínio e controle.
Essa mulher traz um acessório curioso, um chapéu em forma de infinito, assim como o Mago, sugerindo ser ela também uma maga, uma guia e alguém dotada de muita sabedoria e luz espiritual.
O leão é a figura de nossos instintos, nossos desejos reprimidos e também de nossa energia adormecida. É a representação das potências de nosso inconsciente.

Então, o que acontece neste Arcano?

Há força controlando força; espírito tomando as rédeas da situação e administrando o que não é racional, o que é primitivo e não trabalhado em nós.
A mulher não pode, no entanto, calar o leão: é preciso alimentá-lo, deixar que ele se manifeste quando for necessário, para que não se torne fera incontrolável e cheia de ódio, capaz de atrocidades para saciar sua fome. Também não pode deixá-lo completamente livre: trata-se de um animal forte e que pode tornar-se perigoso se não for domado.

Porque é assim que ocorre com nosso inconsciente: o que ele contém não pode ser negado, mascarado, ferido, pisoteado ou ignorado, nem muito menos devemos ficar à sua completa disposição. Não há coisa mais estúpida que viver apenas para saciar desejos e vontades, como também passar o tempo inteiro fingindo não ver esses instintos.
E a luta intensa entre a consciência e o inconsciente, entre nosso lado feroz e nossa parte espiritualizada, entre nosso lado animal e nossa maga interior, sem conciliação, é apenas o caminho da loucura, das neuroses mais graves e de um grande número de doenças.

E que tipo de força é essa, perigosa se não for controlada e maravilhosa se trabalhada?
De onde vem, exatamente? Para onde deve ser canalizada?

As pessoas, de um modo geral, tendem a focar seu mundo interno e o externo de maneiras muito diferentes.
Há aquelas pessoas em que na maior parte do tempo estão preocupadas e mantém a atenção naquilo que as cercam: a família, o trabalho, os estudos, os relacionamentos, dinheiro, aparência física, viagens, etc. O que mais desejam é ter filhos felizes, um bom trabalho, amigos maravilhosos, uma bela casa, viagens incríveis, beleza, dinheiro e um marido ou esposa invejáveis.
Se possuem alguma religião ou fé, estas serão empregadas para se conseguir esses desejos ou mantê-los, caso já tenham sido conquistados.
O mundo externo é o mais importante e a força psíquica, a capacidade de resistir, de lutar, de tentar serão usadas nessa direção.
Quando a força que possuem para realizar-se no mundo está bloqueada ou enfraquecida, essas pessoas sentem-se frustradas, ficam deprimidas ou desenvolvem muita agressividade, até mesmo violência.

Há também um outro grupo de pessoas, bem menor, creio eu, formado por aqueles em que o mundo interior é o foco e cuja ocupação se dá com que o que sentem, o que pensam, o que realmente desejam, o que realmente são. Aqui, o indivíduo em si mesmo é o centro de suas preocupações. As atividades do dia a dia, os relacionamentos com outras pessoas, o trabalho, a família, filhos, etc, também são objeto de sua atenção, mas surgem mais como um reflexo, uma consequência de um mundo maior que é o seu universo interior.
Este está em primeiro plano e é bem comum que enfrente crises pessoais e psicológicas com certa frequência, que dúvidas o atormentem e que o mundo lá fora se torne até mesmo desinteressante ou cansativo.
Sua mente é um turbilhão de idéias; sua alma povoada por inúmeros personagens; seu coração cheio de águas profundas e agitadas e sua psique um complexo mais extraordinário que a estrutura de uma galáxia.
Aqui encontram-se os ocultistas, os magos, os filósofos, os sábios e alguns tipos de artistas e líderes espirituais, bem como aqueles dotados de alguma forma de paranormalidade.
O autoconhecimento é sua principal meta.
A força desses indivíduos surge de seu interior e é para ele que é frequentemente direcionada e quando isso se dá de forma incompleta ou fraca, tornam-se deprimidos ou entram em algum processo de doença psíquica.

Como a sociedade privilegia o primeiro grupo de pessoas, aquelas voltadas para o mundo exterior e como também prega que são o modelo ideal de personalidade, as pessoas que se ocupam de seu mundo interno não raro são vistas ou tratadas como excêntricas, rebeldes, diferentes, esquisitas, distantes ou mesmo loucas.
Mas a verdade é que estas duas formas opostas de aplicar a força psíquica que nos move para a vida se alternam em cada indivíduo, prevalecendo na maior parte da história de vida da pessoa uma forma ou a outra.

A primeira coisa a se fazer é identificar de onde vem, como surge e para onde frequentemente sua força está sendo direcionada. Isso faz parte de você, é o seu jeito de lidar com a vida e a sua forma pessoal de buscar a felicidade.
A segunda é reconhecer suas fraquezas, suas dores, suas angústias e também sua raiva, seus desejos, seus impulsos e não se deixar dominar por eles. Há dentro de você uma instância superior capaz de dar vazão a eles na hora certa e no momento certo, para que eles não te destruam ou que enfraqueçam sua capacidade de escolher o que é certo ou errado para sua vida.
E a terceira é o autoconhecimento. De nada adianta tentar criar para si valores que não são seus, só porque a maioria diz que esses valores é que são os corretos. Essa é maneira mais fácil de adoecer e de cavar a própria infelicidade.
E lembre-se que a força, com a coragem de aplicá-la, torna-se Vontade.

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