22 de outubro de 2010

Uma História Pessoal de Sincronicidade: O Pássaro Morto e o Pássaro Encantado de Rubem Alves



É incrível como as sincronicidades acontecem.
Elas nos pegam de surpresa e aparecem para elucidar um fato, deixar um recado, dar pistas de um caminho.
E às vezes, para nos dar uma grande lição.
E surgem na forma de temas que se repetem, fatos semelhantes pela temática e que não tem relação de causa e efeito uns com os outros.
Apenas surgem, de uma forma mágicka e inexplicável pela lógica e pela razão.
Para os céticos, não passam de coincidências bobas.
Mas para quem ao menos, só um pouquinho, desconfia que há algo Invisível operando sobre nossas cabeças, são fatos desconcertantes e maravilhosos, aos quais  Carl Jung chamou de sincronicidade.

Foi o que aconteceu comigo nesses dias.

Eu tinha passado a semana muito preocupada com algumas questões importantes em minha vida, que envolviam meus planos de realizações e sonhos, como também uma certa visão de mim mesma tanto num futuro próximo como num futuro mais distante.
Isso é absolutamente normal, mas não sei por qual razão essas questões estavam literalmente me sufocando, como se eu tivesse que ter uma resposta pronta e uma ação para elas já, de imediato e não mais deixar que a vida seguisse seu curso com suas sequências e também com suas surpresas.
Eu estava num momento de forte ansiedade e tristeza e estava me cobrando ações que eu simplemente não podia executar.
E como não eram questões materiais que me afligiam,  mas espirituais e principalmente psicológicas e de longo prazo, fiquei bastante sensível com essa revisão que fazia de mim mesma e de tudo.
Vinha há alguns dias esperando por um insight, uma luz sobre minhas indagações e caso essa luz surgisse, eu estaria pronta para obedecer o que esses supostos insights me indicassem.

Na verdade, no fundo, no fundo, eu esperava por um "sim" ou por um "não" mágicos, que me orientassem  se eu deveria continuar alimentando esses sonhos ou simplesmente esquecer tudo e partir para outras coisas.
Eu vivia um dilema, típico de quem está  muito ansiosa diante da vida....
E desejei um oráculo de Delphos na minha frente, algo assim, como uma aparição dos deuses gregos, uma pitonisa à minha disposição ou uma tábua fabulosa de perguntas e respostas simples.... e nada que exigisse interpretações.
Um "sim" ou um "não" e tudo estaria resolvido para mim....

Mas as coisas não são simples assim: sei que muita gente tem sonhos reveladores, insights e intuições quando se perguntam algo de importante: eu mesma já os tive diversas vezes, mas para mim, dessa vez, nada, nenhum sinalzinho surgia para me ajudar.

Era de tarde e eu estava em meu trabalho e desci para fumar (maldito vício!) na imensa entrada do prédio e também para pensar em outras coisas, procurar me distrair, sei lá.
Mas a ansiedade e a força das questões que vinham me atormentando naqueles dias não me deixavam em paz.

"Rita, você terá que decidir, mesmo sem sinal algum...", pensei.
"Mas decidir o quê?", me perguntei.

Não quis fumar o cigarro inteiro. Algo me incomodava e eu não sabia o quê.

Foi quando meu olhar se desviou para um vaso de plantas próximo a mim.
Tinha algo escuro ali em cima, sobre as pedrinhas que cobriam a terra do vaso.
Algo preto e brilhante, mas muito suave aos olhos.

Então me aproximei e pude ver que se tratava de um passarinho morto.
Muito pequenino, o bico meio aberto e várias formigas passeando sobre seu corpinho inerte.
Certamente ele não morrera ali: alguém, com pena do bichinho, o colocara naquele vaso, provavelmente para ninguém o pisar e fiquei pensando como ele teria morrido.
Teria sido morto por algum gato? Algo pesado o atingira?
Ao mesmo tempo, senti uma espécie de revolta dentro de mim e pensei:

"Passarinhos não deveriam morrer nunca!"

Continuei olhando o bichinho e imediatamente comecei a imaginar ele vivo, brincando, rindo risadinhas típicas de passarinhos, tomando sol com seus amiguinhos, sacudindo as asinhas na chuva  e voando, voando e cantando. Seria filhote?
Por instantes voei com ele nesse exercício imaginativo e contemplativo e dessa vez, senti uma enorme injustiça no mundo.

"Passarinhos não deveriam morrer nunca!," pensei de novo.
"Mas também esse é o fim de todo ser vivente", pensei novamente.

Nesse momento, me veio à mente, com muita força, o escritor, educador e psicanalista  Rubem Alves.
Eu certamente já tinha lido essa frase sobre os passarinhos não terem que morrer e tinha certeza que era dele.

Voltei e peguei o elevador para minha sala e me lembrei da paixão do escritor pelos ipês, pela Educação, pela poesia, natureza e claro.....Rubem Alves devia amar passarinhos também!

Fui checar na internet se ele teria dito isso realmente, em que livro ou crônica tinha dissertado sobre a eternidade necessária dos passarinhos.....
Onde, como e quando teria dito ser a vida muito injusta, por permitir que passarinhos morressem...
Ou será que isso era coisa da minha cabeça?

Depois de pesquisar um bom tempo, o que eu encontrava sobre ele e pássaros era um conto dele, que eu nunca tinha lido, chamado "A Menina e o Pássaro Encantado".

Entrei num site que tinha o livro escaneado, de trinta e poucas páginas e lindíssimas ilustrações.

O conto fala de uma menina que era visitada por um passarinho encantado, que não vivia em gaiolas, mas que sempre estava viajando por lugares muito diferentes.
Em cada lugar que ele ia, trazia nas penas o colorido da paisagem visitada: era branco quando ia para a neve, verde quando vinha das florestas e assim por diante.
Também, de cada viagem, trazia uma história para contar, de alegrias ou de dores e a menina cada vez mais amava o pássaro, e ficava muito triste com cada sua partida.

Um dia ela resolveu prendê-lo: assim não sofreria mais de saudade.
Então preparou a armadilha, enquanto o bichinho descansava de mais uma longa viagem e o aprisionou.
Quando acordou e se viu preso, o pássaro repreendeu a menina e disse que ele não seria mais encantado.
E foi ficando cinza, triste e a menina, arrependida, o libertou.

E ele disse assim:
"Longe, na saudade, muitas coisas começam a crescer dentro de nós.
Sempre que ficares com saudade, eu ficarei mais bonito. Sempre que eu ficar com saudade, tu ficarás mais bonita. E enfeitar-te-ás para me esperar."

E o pássaro partiu.

A menina então, todo dia, colocava um enfeite novo, um vestido novo e se arrumava sempre.
"Nunca se sabe. Pode ser que ele volte hoje", ela pensava.

E Rubem Alves termina esse conto assim:

"Mundo maravilhoso, que guarda em algum lugar secreto o pássaro encantado que se ama."

E foi assim que ela, a cada noite, ia para a cama, triste de saudade, mas feliz com o pensamento:
"Quem sabe, ele voltará amanhã. E ia dormir e sonhava com o reencontro."

Aí  termina a linda história.
Conto famoso de Rubem Alves que eu até então desconhecia e que dessa história  podemos pensar muitas coisas.
Em atitudes, pensamentos, valores e principalmente.....quem ou o quê é esse pássaro encantado em nossas vidas.

Em uma sincronicidade tremenda, eu recebera uma grande lição.
Um tapa na cara dado pelos mistérios dessa Vida....

Eu tinha um pássaro encantado que eu tentava aprisionar, explicar e decifrar; queria a todo custo ele ali, sob controle, com um mapa pendurado no pescoço de como chegar até ele.
Esse pássaro era meu sonho, esse sonho de vida tão íntimo, tão necessário e que eu, de modo arrogante, queria colocar numa gaiola.

E agindo dessa forma, acabar com todo o encanto que é essa Estrada, com todos os seus mistérios, em nome de racionalidades  e de uma teoria tola de que temos que fazer tudo certo, de que temos que agir, sempre agir, planejar, controlar e dominar todas as coisas que nos envolvem,  ainda  mais aquelas que pertencem aos campos onde somente Deus, O Grande Universo ou as Forças Maiores podem tocar.

Pensei que o certo mesmo era colocar um novo vestido, todos os dias, como a menina do conto, mas não um vestido de pano, e sim vestir a alma com aquelas expectativas que só as crianças possuem, e seguir minha vida assim, pelas estradas insondáveis que a Vida oferece.

"Passarinhos não deveriam morrer nunca e é assim que é, porque não morrem mesmo...", pensei.

Fiquei em silêncio por alguns instantes, com um indissolúvel nó na garganta e fiquei pensando no passarinho lá embaixo, inerte, em cima de um vaso de plantas.
Através dele, encontrei a resposta que tanto buscava e não num oráculo bobo e vazio de "sins ou de nãos".
Era uma mensagem de fênix.
Aquele passarinho foi o catalisador de uma incrível, mágicka  e abençoada sincronicidade que veio ao meu encontro.

Ele e o Pássaro Encantado de Rubem Alves, juntos, me ensinaram o que eu precisava.
A resposta tão esperada tinha sido dada, de um modo inesperado.
E sou muito, muito grata por isso.

5 de outubro de 2010

A Morte, nº 13 do Tarot e o conto da Bela Adormecida



Era uma vez uma linda princesa, filha única do poderoso rei e da amada rainha.
Estavam muito felizes com seu nascimento e resolveram logo batizá-la, fato que deveria ocorrer com uma grande festa.
No próspero reino haviam 13 fadas, cada uma com uma virtude particular e o casal real deveria convidá-las para o evento.

 
Mas havia um pequeno problema: na grande mesa do salão real existiam apenas 12 lugares destinados a elas.
O casal pensou na solução e resolveu que uma delas seria preterida do convite.
Assim o rei e a rainha procederam. Convidaram 12 das 13 fadas e marcaram o dia da festa.

No grande dia, para a surpresa de todos, a 13ª fada, a não-convidada, apareceu de surpresa e, inconformada com sua exclusão, proferiu uma maldição:

"Fui excluída desta importante ocasião e por isso, amaldiçoo essa menina. Quando ela completar 15 anos, deverá furar o dedo numa roca de fiar e dormirá para sempre."

O rei, desesperado, pediu-lhe desculpas pelo erro e sabendo que se tratava de uma maldição poderosa, suplicou à fada que retirasse tal praga.
Irredutível, a fada foi embora e todos fingiram esquecer o episódio.
Porém o rei, temendo o futuro, mandou que queimassem todas as rocas do reino, para evitar que o infortúnio se cumprisse.

A menina foi crescendo e quando estava prestes a completar 15 anos, os pais se lembraram da maldição.
Deram ordens aos soldados, para que procurassem nos arredores do reino alguma roca de fiar existente. Com a resposta negativa, ficaram tranquilos.

Porém, numa linda manhã, a menina passeava pelas áreas do castelo quando avistou uma mulher fiando um lindo tecido.
Curiosa, a menina se aproximou: afinal, nunca tinha visto um objeto igual em toda sua vida e se encantou com o esmero que aquela mulher trabalhava em tão lindo pano.
A 13ª fada, fiando na roca, mandou que a garota se aproximasse e disse-lhe baixinho:

"Venha! Experimente um pouco! Eu te ensinarei a fiar!"

A menina assim fez e desajeitada, feriu o dedo na agulha da roca.
Tão logo isso ocorreu, a garota entrou num sono profundo por muitos anos, para o total desespero dos pais e tristeza de todo o reino, cumprindo assim, por ela mesma, o destino que lhe fora traçado.

Muitos anos se passaram até que um dia um príncipe foi visitar a menina que misteriosamente há tempos dormia, num reino triste e longínquo.
Impressionado, visitava a princesa dia após dia e aos poucos foi se apaixonando por ela.
Um dia, colocou todo o seu amor num beijo e para a supresa de todos, a menina acordou do profundo sono.
O reino voltou à alegria, mais ainda que outrora e a princesa casou-se com o bondoso príncipe e assim foram felizes para sempre.

Essa maravilhosa e rica história, tão conhecida de todos nós, A Bela Adormecida, trata sobretudo da Morte, dos Processos de Iniciação, do Amor, do Sacrifício e da Redenção.

A 13ª fada, que antes era apenas uma fada, não foi convidada para a Grande Festa, O Batismo, porque faltava-lhe lugar.

 
Quem é ela, no plano psíquico?

Ela é, simbolicamente, a virtude negada, aquela que faltava para a Transformação, para o Batismo, que foi excluída e evitada.

 
Porque visto pelo plano psíquico e espiritual, a princesa deveria passar naturalmente pelos processos de nascer, crescer, desenvolver-se e depois tornar-se mulher, ou seja: amadurecer.
Com todas as implicações e dificuldades que estes processos exigem.
Um processo de iniciação psicológico que lhe foi a priori negado e assim, como toda negação, tornou-se depois maldição.

 
Mas seu inconsciente a levou ao seu Destino: foi através da roca desconhecida que ela iniciou a outra parte de sua difícil jornada.
Foi fiando, fiando seu caminho, mesmo ferida, mesmo que depois adormecida, que ela finalmente pode conhecer a si mesma e fazer suas escohas e não mais que escolhessem por ela.

A roca de fiar, aqui nesse conto, lembra muito a Roda da Fortuna, a Roda da Vida, outro Arcano do Tarot, o 10º, que trata justamente das transformações, do Destino e das mudanças.
A fada fiadora bem que poderia ser uma das Moiras, como é bem retradado no Tarot Mitólogico de Sharman-Greene.

Os pais, nessa história, representam seu superego, as convenções, os modelos insituídos, ou seja, aqueles que faziam as escolhas para menina ainda não iniciada.

O príncipe, ou melhor, o Animus, Hermes, seu psicopompo, com o amor incondicional que sentia pela princesa, incondicional e verdadeiro porque ele conhecia sua essência, pôde ajudá-la nessa passagem.
É, simbolicamente, uma instância psíquica dela mesma que, por amor, decide acordar-se!
Salvar-se. Integrar-se.

Narro esse conto porque é um de meus preferidos e o melhor que sinto ser capaz de ilustrar o que é a Morte, o 13º Arcano do Tarot, em seus termos simbólicos.

Em diversos tarots, a Morte está representada pela figura macabra do ceifador, remetendo à ideia de destruição e do Mal.
A carta não tem nome e traz uma figura esquelética segurando uma foice, às vezes sobre uma paisagem inóspita, às vezes montada num cavalo negro, lembrando os cavaleiros do Apocalipse do Novo Testamento.
Mas o Arcano não fala da morte física. O senso comum e o terror que a figura da carta inspira levam a essa diminuta interpretação.

Dela, a morte material, todos nós já sabemos: é inevitável e cabe a cada um crer se a vida continua ou não após sua chegada.
As correntes espiritualistas e ocultistas, assim como muitas filosofias e religiões orientais, crêem que a morte física é uma passagem de um estado de ser a outro estado de existência.
Faz parte do processo de evolução e temos muitas vidas e portanto, muitas mortes.

Mas a morte simbólica, a morte espiritual, a Morte Iniciática, esta da qual o Arcano se refere, por vezes é tão sutil que não a percebemos em nossas vidas.
E pouco se fala sobre ela.

Do que trata a Morte, o 13º Arcano do Tarot?

O número 12, arquetipicamente, é o número que encerra um ciclo, fecha um período, conclui uma etapa.
O número 13, por sua vez, significa uma passagem de um estado concluído para outro que deve iniciar.
Como os ponteiros de um relógio, onde a 13ª hora é a 1ª hora; como a 13ª casa da Astrologia, que é também a 1ª casa.
Esse número é rodeado por temores e criou ao longo do tempo várias superstições; visto como de mau agouro, o 13 é indesejado por muitos, talvez porque o ser humano tenha medo das mudanças e dos recomeços.
Não só isso: o apego às coisas estáveis, às rotinas, aos condicionamentos que sofremos, mesmo que tudo isso não faça mais o menor sentido em nossas vidas e só nos atrapalhem em nossa verdadeira auto-descoberta.

Tantas vezes excluímos as mudanças, os riscos, o novo!
Não uma novidade qualquer, mas aquela que nos chama para sermos completos, íntegros e senhores de nosso caminho.
Assim como ocorreu com a 13ª fada, não os convidamos para o banquete!
Não temos lugar para a Transformação...Não convidamos nossa principal virtude...

O reino mental e espiritual, formado por muitas cidades que nos habitam, muitas vezes sofrem um descaso espantoso de nossa parte, porque sempre temos os olhos voltados para as coisas que podemos medir, comprar, comparar, controlar, enxergar e julgar, mas que na verdade, todas essas coisas servem para alimentar nosso ego frágil e medroso.
Nos dão segurança, mesmo que estejam próximas de seu fim.
E assim, abandonados de nossos verdadeiros castelos, de nossa essência, peregrinos em terras alheias, continuamos alienados, em nome de palácios artificiais.
Seguimos em frente gananciosos, procurando conforto e perfeição nas coisas perecíveis, aos invés de trabalhar o que realmente tem importância e que estará conosco por toda a eternidade: nossa alma.

Facilmente nos revoltamos ou nos orgulhamos das conquistas ou mazelas que rondam nossas vidas: status social, trabalho, saúde, dinheiro, beleza, poder, amores e desafetos, não pensando que a presença ou ausência de todas essas coisas são apenas meios terrenos que servem de ferramentas para nossa evolução.

E ao abandonar nossa alma, nos vem um vazio, um vazio doloroso, de tanta incompletude que é.
E essa hora linda, mágica, é percebida como incômoda e a todo custo queremos vencê-la.
Hora dolorosa, mas hora de crescer!
Hora de Ser.

A Morte, esse Arcano-Acontecimento, vem acompanhado de um leve sussurrar:
"Vem! Transforma-te em ti mesmo!!"

É o momento da Iniciação.
É a morte temporária, o fim de um velho ego encouraçado, que deve desaparecer para dar lugar a um novo ser, que deverá surgir em toda sua plenitude.

Às vezes essa morte vem por meio de um sono de  anos, do qual insistimos em não despertar; às vezes vem por meio de um inocente ferimento no dedo, porventura numa roca, ou num dia em que o coração ou a mente se encontrem dilacerados.
Porque todos nós temos nossa roca de fiar...

 
Às vezes esse momento se esconde numa perda, num ganho, numa doença, num caminho difícil, numa missão.

 
A Morte também está por trás de todos os processos de crescimento psicológico, mesmo os físicos, como a infância, adolescência, vida adulta, casamentos, separações, graduações, profissões, maternidade,  paternidade e o envelhecimento.

 
Para alcançar a próxima etapa, é necessário o sacrifício da precedente.
E são sim, processos dolorosos, como todos os Renascimentos.

A Morte, o Arcano 13, é o momento alquímico onde os elementos se encontram em estado de dissolução, para depois se recomporem em um novo elemento: a pedra filosofal.
Sacrifício, Dissolução, Morte, Iniciação, Renascimento, Redenção.

O Mestre Jesus, há mais de 2 mil anos, disse que "aquele que não nascer de novo, não poderá entrar no Reino dos Céus."
Esse Reino, cuja rota é traçada por caminhos de fênix, caminhos de constante evolução e de lapidação do espírito, deve ser buscado, em primeiro lugar, dentro de nós mesmos, onde está o laboratório de toda alquimia tranformadora e redentora, para o incessante processo da Grande Obra Interior.

17 de setembro de 2010

Relacionamentos Afetivos: Os Planos Invisíveis dos Encontros



A área dos relacionamentos afetivos talvez seja uma das áreas da vida mais difíceis de se encontrar a felicidade ou mesmo um mínimo de realização.

Num mundo altamente competitivo e voltado para os interesses financeiros e materiais, os assuntos do coração deixaram de ser importantes em sua essência e aos poucos foram se transformando num jogo de sedução barata, materialismo, futilidade e sexo, principalmente nos países subdesenvolvidos como o nosso, onde a educação precária, valores éticos corrompidos, preconceitos e as influências da tv são fatores determinantes no comportamento da maioria das pessoas, de qualquer idade ou classe social.

Ávidos por lucros, as grandes empresas se utilizam dos massacrantes recursos da mídia, para forjarem um ideal de mulher, de mãe, de homem, de marido, criando assim esteriótipos fabricados  conforme as necessidades do mercado, esteriótipos tanto físicos como de comportamento.
E aqueles cuja mente e o espírito são muito sugestionáveis, isto é, os indivíduos que possuem pouca liberdade de espírito, procuram avidamente ser esse modelo pregado pela mídia e também buscam para si pessoas que correspondam a esses modelos.

Todos querem ser o tipo ideal, o modelo ditado como bom, desejável e querem como companheiro ou companheira pessoas que também sejam exemplos desses modelos de beleza, atitude, comportamento e até de personalidade.
É como se abandonassem sua essência humana para se transformarem em objetos expostos nas prateleiras dos supermercados, manipulados, etiquetados e sem personalidade própria.
Seres que serão meramente controlados. Seres consumíveis.
E talvez por isso se fale tanto no famigerado marketing pessoal!!

Sim, as pessoas estão à venda e é por isso que vivem se metendo em relacionamentos frívolos, superficiais e repleto de mentiras.

É muito comum vermos por aí homens de meia-idade, geralmente com algum dinheiro, rodeado por mocinhas bonitas, jovens, sem recursos financeiros e geralmente de baixo intelecto.
Ele mente para si mesmo e para os amigos que é amado por ela; todos fingem acreditar, mas na verdade o que importa mesmo é que ele desfile por aí sua conquista, fazendo parte do clube dos "vencedores".
Ou então a mocinha da periferia, bonita e falante que encontra no moço tímido e retraído a escada para a sua tão sonhada ascensão social.
Ou ainda o jovem bonito, que estudou pouco ou nada, que quer ganhar a vida facilmente e que aproxima-se da mulher cheia de traumas de casamentos fracassados, mas que possui uma ótima conta bancária!!

São esses tristes exemplos que vemos no dia a dia, uma avalanche de mentiras, fruto de uma mentira ainda maior, construída para manter um sistema perverso e desumano.

Mas como tudo na vida tem suas exceções, há aqueles que se recusam a participar desse circo, ficando à margem desse sistema de interesses.
Essas pessoas comumente experimentam muita solidão, incompreensão e são taxadas de excêntricas ou sonhadoras, mas felizmente e paradoxalmente, são justamente essas pessoas que possuem a verdadeira chance de encontrar a felicidade no amor.

Por que isso?


Porque são elas as que buscam a verdade e a plenitude dentro de si e no mundo e querem como companhia alguém assim também, para compartilhar, dividir, somar experiências e sonhos, no processo tão difícil e belo, às vezes doloroso, às vezes prazeroso que é a vida.

Dentro do Ocultismo acredita-se que o ser humano possui sete planos em sua existência.
Começamos sempre a partir do primeiro, o físico e depois vamos desenvolvendo os demais planos, de baixo para cima, sem pular nenhum e sem abandonar os já conquistados.
Não há um plano melhor que o outro: todos são necessários para nossa evolução.

No relacionamento de um casal, esses 7 planos são vividos da seguinte forma:
O primeiro plano, o físico, o plano da necessidade da matéria, é a relação sexual em si, o ato sexual;
no segundo plano, o das paixões, é onde a atração acontece;
no terceiro plano, o das emoções, o da necessidade de afeto, ocorre o sentimento, o gostar de alguém;
no quarto plano, o da mente concreta,  é onde residem nossos gostos, interesses e vivemos esse plano num relacionamento quando temos esses gostos e interesses em comum com o outro;
o quinto plano, o da mente abstrata  é o campo de nossos ideais de vida, a forma de pensar e no relacionamento é quando nossos ideais coincidem com o da outra pessoa;
o sexto plano, espiritual, é onde se manifestam nossas tendências espirituais, nossas inclinações, dons, virtudes e vivemos isso com alguém quando essa pessoa faz parte da mesma egrégora espiritual que a nossa e enfim, o sétimo plano, também puramente espiritual, é onde encontramos nossa manifestação divina e o que era dois, torna-se um.

Obviamente que nem todas as pessoas vivem os sete planos, embora todas elas os possuam, mesmo que adormecidos, podendo passar uma vida inteira sem chegar a desenvolver os planos mais altos.
Por isso vemos pessoas muito embrutecidas, muito materialistas, cuja satisfação das necessidades físicas e de suas paixões são de fundamental e única importância.
Será assim também nos relacionamentos: não passará do binômio sexo-atração, podendo nem mesmo chegar ao plano dos sentimentos, o terceiro.

Pensemos num exemplo.
Uma mulher que atingiu em sua vida apenas o segundo plano, não se importará com os sentimentos de seu parceiro, nem com seus interesses, gostos, nem com seu intelecto, seus sonhos, ideais, nem com sua espiritualidade; ao contrário: isso será enfadonho e cansativo para ela, vistas como coisas inúteis às quais não tem que dar atenção, porque ela não compreende essas coisas, uma vez que não as tem nem para si mesma.
Será um tipo de mulher ainda muito primitiva, louca por sexo, extremamente influenciada pela sedução e pobre do homem que esperar mais dela!!! Esperará inutilmente.....
Mas se ele for um homem que também chegou só até o segundo plano, o casal certamente estará muito bem satisfeito um com o outro.

Já alguém, por exemplo, que se desenvolveu até o quinto plano sentirá as necessidades dos cinco planos de sua vida e desejará encontrar alguém com desenvolvimento semelhante ao seu.

Por isso, muitos relacionamentos que começaram bem, um dia fracassam, geralmente porque um dos membros do casal ampliou os horizontes de sua vida, mesmo que isso não seja completamente consciente para a pessoa.

Porque um relacionamento baseado no sexo e na atração física tende a terminar.
Esses planos são fugazes, porque assim que são satisfeitos, perdem a força.
Mesmo os sentimentos, os afetos, somem com o tempo, a menos que outras coisas estejam envolvidas, como interesses em comum, idéias parecidas, gostos, valores pessoais, espiritualidade, buscas e isso tudo pertence aos outros planos, aos mais altos.

Muitas vezes um casal vive anos de convívio razoavelmente bem  e se um deles se desenvolve mais que o outro, esse outro não poderá preencher e compartilhar desse novo mundo que se abriu na vida daquele que se desenvolveu.
Então, o par do casal que atingiu um pensamento desenvolvido, construiu suas idéias, pensa sobre a vida e compreendeu certas coisas sentirá um enorme vazio, porque seu par não pode fazer-lhe real companhia.
É quando ocorrem as separações ou as traições.
Aquele que sente o vazio na alma procurará alguém que preencha esse vazio e caso encontre esse alguém, os planos do sexo, da atração, do afeto e da mente serão impregnados com a força que vem dessa sintonia que se fez  entre eles.
A força enorme desse vínculo criado, que penetra todos os planos abaixo disso, resulta em amor verdadeiro.


Muitas pessoas usam o nome "amor" para descrever o que sentem por alguém.
Muitas vezes esse chamado "amor" é apenas atração física, desejo, sexo ou simples afeto, necessidade de afeto.
O amor de verdade só acontece nos planos mais altos da existência, porque envolve todo o indivíduo e não uma parcela dele.


Portanto, aqueles que sobem a escada da evolução e que desenvolvem os aspectos do seu ser é que possuem a verdadeira chance de encontrar o amor, porque desta forma, desenvolvendo-se, tornam-se completos e consequentemente, livres.


O mundo das aparências, das mentiras, do efêmero e do passageiro, não mais o seduz.
Compreeende, no fundo da alma, que a liberdade de seu espírito é paga com o preço da incessante busca e do autoconhecimento.
Quando o indivíduo atinge esses planos mais altos, sincronicidades passam a operar e suas chances de felicidade se multiplicam.


Porque ninguém pode ser realmente feliz na solidão.
Tudo o que construiu dentro de si deve ser compartilhado.
Fazer a nossa parte para nos tornarmos um ser humano pleno é uma tarefa difícil, mas tudo o que é nobre e duradouro é conquistado à duras penas.


Portanto, já está mais que na hora de construir esses tesouros, descobri-los na própria alma e contar com a ajuda dos Planos Superiores para que a pessoa certa, no tempo certo, venha ao nosso encontro.

18 de julho de 2010

Tipos Solares e Lunares


Talvez não existam duas imagens tão opostas como o nascer do dia e o nascer da noite e dois arquétipos também tão opostos e complementares em nossa psique como o Sol e a Lua.

O Sol, estrela que dá vida ao planeta, arquetipicamente representa a força ativa, o pólo masculino, a consciência, a lógica, o pensamento, o pai, a vigília, a realidade e a iluminação.
A Lua, que espelha a luz solar, satélite da Terra, nas raízes do inconsciente coletivo é a força passiva, o pólo feminino, o inconsciente, a intuição, o sentimento, a mãe, a fantasia, o sonho e o oculto.

Dentro de algumas tradições esotéricas e ocultistas, acredita-se que as pessoas possuem influências predominantes de uma ou de outra energia, independente se é homem ou mulher, ou seja, tenderiam a ser mais solares ou lunares, não só nos aspectos biológicos e fisiológicos, mas principalmente psicológicos, dirigindo, recebendo e concentrando sua energia em um ou outro arquétipo com mais frequência que no outro.

Claro que não existe o esteriótipo ou caricatura de alguém solar ou lunar: são tendências de sua personalidade, que inclusive podem oscilar em determinados períodos no mesmo indivíduo e isso é positivo, pois equilibra a psique.

Pessoas predominantemente solares são aquelas cuja personalidade é mais expansiva, mais extrovertida e quase sempre preferem as atividades diurnas às noturnas.
Os lugares que escolhem para lazer, na maioria das vezes são aqueles muito iluminados, ensolarados e abertos, como praias, montanhas, trilhas em espaços largos, alto mar ou espaços aéreos.
Os dias de sol, aliás, são fonte de inspiração, são motor para suas atividades.

De raciocínio rápido, são criativas, dinâmicas, gostam de cores vivas, de experiências novas, viagens e são muito atentas ao que acontece à sua volta.
Não se importam em correr riscos, dada a sua personalidade empreendedora e versátil.
Procuram falar o que pensam; gostam das coisas colocadas de maneira clara e objetiva.
Tornam-se excelentes líderes em várias áreas e artistas de visibilidade.
Mesmo os solares mais tímidos dificilmente ficam sozinhos, por causa de sua personalidade aberta e cativante.
Para eles é fácil manter várias atividades ao mesmo tempo, as quais são realizadas de forma entusiasmada, buscando o sucesso, elemento muito importante para eles.

O tipo solar é voltado para a forma com que se apresentam à sociedade, tendendo a se preocupar muito com o que os outros pensam sobre ele ou sobre o que ele faz.
Gostam de estar com pessoas e possuem um lado muito marcante de querer ver e ser visto; até mesmo são mais competitivos e quando passam despercebidos num local, ficam muito frustrados.
Alguns levam isso ao exagero, podendo tornar-se pessoas exibicionistas, narcisistas, fúteis, materialistas, manipuladoras e autoritárias.

Já os tipos lunares são frequentemente pessoas mais introspectivas, não necessariamente tímidas ou introvertidas, mas cuja energia interior se volta pra si mesmo, para seu mundo interno.
Pensam muito e nem sempre verbalizam o teor de seus pensamentos ou sentimentos: a vida interior é agitada, embora por fora possam parecer a mais calma e distraída das criaturas.
As atividades noturnas são atraentes a elas, são as preferidas, ao contrário das diurnas, principalmente aquelas sob o sol, que muitas vezes lhes parecem enfadonhas, cansativas e muitas vezes são até evitadas.
Dias nublados, dias frios, noites estreladas e claro, céu com lua, seja ela cheia, crescente, minguante ou mesmo nova (porque o indivíduo lunar, mesmo sem vê-la, é capaz de senti-la), produzem uma espécie de encantamento e lhes trazem vigor e inspiração.

Muito sonhadoras, são atraídas pelo que é simbólico e hermético, aquilo que está nas entrelinhas e nem sempre exposto.
O mistério, o oculto, o incomum e os temas sobrenaturais exercem muito fascínio nos tipos lunares, bem como as atividades de pesquisa e investigação.
De curiosidade aguçada, os riscos que pretendem correr são aqueles que permeiam o mistério, o não revelado e o inexplorado e não exatamente os empreendimentos cotidianos e comuns, do interesse da maioria das pessoas porque estes sim, muitas vezes são desprezados e desinteressantes para alguém com predominância do Arquétipo da Lua.

São preocupados com o que sentem, o que pensam e com seu mundo interior e dão muita importância a isso, muito mais do que com a forma e como se apresentam aos outros.
Um tipo lunar de inteligência efervescente muitas vezes sente necessidade de dar vazão à sua criatividade, surgindo assim grandes artistas, cientistas e inventores.
Os sonhos são ricos em detalhes, vivos, como se fossem uma segunda realidade e também são pessoas muito observadoras, preferindo muitas vezes ouvir que falar.

Não se importam se são notados num evento ou em ambientes sociais: ao contrário, gostam de manter um certo anonimato, não gostam de aparecer e frequentemente também são autodidatas, preferindo estudar e aprender sozinhos do que em grupos.
Um tipo lunar é muito intuitivo e sua imaginação é seu ponto mais alto.

E como vivemos numa sociedade tendenciosamente solar, competitiva, que exige ação, sucesso exterior, popularidade e visibilidade e que aplaude e recompensa indivíduos assim, as pessoas com a energia da Lua são vistas como excêntricas, “lunáticas”, cheias de fantasias, esquisitas e anti-sociais e talvez por isso sejam realmente compreendidas por poucas pessoas que as cercam e se forem artistas, não é raro que tenham reconhecimento muito tardio ou só depois da morte.

Algumas também, assim como os “filhos do Sol”, vão aos extremos de suas tendências da Lua, podendo desenvolver depressão, dispersão ou tornarem-se pessoas sugestionáveis, vulneráveis, muito solitárias ou cheias de ilusões.

Por isso, o ideal é procurar um equilíbrio dessas forças, buscando o lado que falta, seja através de um esporte, arte, atividade ou até variando as preferências cotidianas e de comportamento, como por exemplo, uma pessoa mais solar de vez em quando buscar atividades noturnas e mais solitárias, assim como um “filho da Lua” procurar praticar algum esporte em grupo e ao ar livre.

Essas energias, solar e lunar, se manifestam não só nos seres humanos individualmente, mas também podemos notá-las nas tendências de uma época, no zeitgeist, no espírito do tempo de uma geração ou mesmo na moda, nas artes, nos movimentos culturais e até num país inteiro. Os povos latinos desenvolvem bem mais o arquétipo do sol em suas vidas do que os povos do leste europeu ou dos países nórdicos, por exemplo, mais lunares.

Podemos pensar também em alguns artistas e personalidades da História que são bons exemplos desses tipos de manifestação arquetípicas.

Tipos solares: Richard Wagner, Napoleão Bonaparte, Cleópatra, Júlio César, Faraó Akhenaton, Nefertiti, Madonna, Mick Jagger, Jorge Amado, Alexandre, o Grande, Cher.
Na mitologia: Zeus, Helios, Hórus, Rá.
Signos mais Solares: Áries e Leão.
Elemento principal: Fogo.
Nas lâminas do Tarot: O Sol, o Carro, O Imperador, A Imperatriz, A Força.

Tipos lunares: Nostradamus, Amy Lee, Aaron Stainthorpe, Sigmund Freud, Carl Jung, Frederic Chopin, William Blake, Charles Baudelaire, Edvard Munch, Clarice Lispector, Augusto dos Anjos, Arthur Rimbaud, Fernando Pessoa, Virginia Wolf, Jean Paul Sartre.
Na Mitologia: Perséfone, Hécate, Lilith, Toth.
Signos mais Lunares: Câncer e Escorpião.
Elemento principal: Água.
Nas lâminas do Tarot: A Sacerdotisa, A Lua, O Eremita, O Enforcado, A Estrela

E só a própria pessoa é capaz de identificar que arquétipo é mais presente em sua vida: também, como a psique opera através de opostos, perceber a energia que é menos utilizada, menos aparente e que fica no inconsciente.
E muitas riquezas podem estar esperando no porão de nossa psique, para que, sem preconceitos ou rótulos, sejam também desenvolvidas.

1 de julho de 2010

Dogville e a Miséria Espiritual

                                
                              
Dogville, de 2003, do diretor dinamarquês Lars Von Trier, é um dos filmes mais interessantes e incríveis que já vi e revi até hoje, mil vezes, um de meus preferidos, de profundidade psicológica, social, moral e espiritual espantosas e que toca na questão do perdão, da inveja, da justiça, da exploração do outro, do orgulho, da perigosa ética pessoal, da compaixão sem medidas e da prepotência.

Dogville é um lugarejo fictício dos EUA, ambientado na época da Grande Depressão Econômica, na década de 30, onde vivem algumas pessoas em situação de extrema pobreza, isoladas do mundo e aparentemente satisfeitas com suas vidinhas.
O espaço cenográfico do filme é apenas um tablado escuro e simples de teatro, marcado no chão com giz, que delimita a ação dos personagens: o cenário é quase inexistente e nem há divisórias nas cenas, além de somente alguns objetos aparecerem no decorrer do filme inteiro.
O que parece ser um filme chato ou excêntrico em seu início (e excêntrico é mesmo!!) surpreende a cada passo o expectador, porque o que virá a seguir é uma história perturbadora e incomum, além dos diálogos e do elenco fantásticos.

Há um narrador onipresente que nos insere na trama, na verdade nos atos do filme-teatro e que nos deixa a par do que se passa e do que virá a ocorrer em Dogville.

Enfim, um filme de Mestre. Para ser odiado ou idolatrado.

Das poucas pessoas que vivem lá, há um pseudo-filósofo, Thomas Edison Jr, um jovem que sonha em ser escritor, mas que nunca chegou a escrever algo, porque está sempre perdido em suas constantes divagações, estéreis e sempre inúteis.

Existe também uma família que vive de raspar copos usados e surrados para serem vendidos fora de Dogville, como se fossem novos.
Nessa mesma família há um pretenso engenheiro, outro pseudo-intelectual, de inteligência medíocre e que vive às voltas com tentativas infrutíferas de vencer uma partida de xadrez.
Há ainda um cego solitário (numa interpretação magistral do ator Ben Gazzara), que nega veementemente sua cegueira para todos e uma mulher que “toca” o órgão da igreja, mas não o faz emitir sons, para não “gastá-lo” e assim “poupá-lo” quando algum padre vier assumir a paróquia!!

A mediocridade e a mentira estabilizada de Dogville são interrompidas com a chegada de Grace, uma jovem fugitiva de gangsters e que pede abrigo no lugarejo, ela personagem central do filme (interpretada com perfeição pela atriz Nicole Kidman).

A permanência e a acolhida de Grace pelos habitantes serão feitas mediante uma condição: que Grace prove que é útil ao local, embora os habitantes declarem que não precisam de absolutamente nada além do que possuem e também de que não necessitam da ajuda de ninguém.

É a partir daí que toda a trama se desenvolve.

Grace (o nome não é à toa, significa graça, benção divina) começa então a dar auxílio às pessoas de Dogville, que ainda assim continuam dizendo que de nada necessitam: ensina xadrez para o limitado rapaz; faz com que a mulher toque de verdade o órgão da igreja; conforta o médico hipocondríaco, pai de Thomas, mostrando-lhe que não está doente e nem à beira da morte; ajuda nas tarefas domésticas na casa de uma mãe com uma filha deficiente; limpa casas, educa crianças, colhe maçãs; é conselheira, amiga e companhia agradável para o perturbado e superficial Thomas Edison Jr e faz com que o cego assuma sua cegueira para a cidade, entre outros atos de auxílio, socorro, compreensão, amparo, amizade e benevolência.

Com seu olhar cheio de boas ideologias, acredita que aquelas pessoas todas são dignas de ajuda, de atenção e que merecem uma chance na vida: que só precisavam de alguém que olhasse por elas, que as amparasse no dia a dia e acreditasse nelas e em seus potenciais.

Grace chega a ser grata por ser tão bem acolhida e vê beleza nas coisas, no lugar e nas pessoas daquele miserável lugarejo.

Esse é seu grande erro.

Na verdade, ao longo da trama, com suas atitudes caridosas, Grace vai desmoronando o mito de que todas aquelas pessoas eram auto-suficientes e felizes em suas condições e que suas vidas eram pautadas em coisas sólidas e verdadeiras.

Grace, sem querer, vai mostrando como são limitadas e que poderiam sim necessitar de ajuda: apenas negavam sua ignorância e viviam acomodadas em suas mentiras particulares e coletivas.
Por ter vivências completamente diferentes daquelas dos aparentemente humildes e injustiçados habitantes de Dogville; pelo seu padrão cultural e social oposto aos deles e principalmente pela sua ideologia de que o conhecimento, o amor, o auxílio, a companhia e a compreensão devem ser dados a todos, indistintamente, é que Grace viverá no decorrer da história o maior de todos os pesadelos que um ser humano poderia viver.

O inferno físico, moral e psicológico no qual se transformará a vida de Grace é fruto de sua desmedida compaixão e de sua intromissão nas trevas de cada habitante do local.

Porque a grande pobreza de Dogville não é a material; ela apenas coincide, casa e sincroniza com a gigantesca miséria espiritual e psicológica de cada um de seus habitantes.
As pessoas que moram lá vão deixando transparecer a imensa inveja que sentem de Grace, inveja essa que se transformará em ódio ao longo da trama.

O filme termina de modo surpreendente e muito chocante, terrível mesmo, com tintas de Nietzsche principalmente e nos inquieta demais, mexendo com os conceitos que aprendemos ao longo da vida.
Os diálogos finais nos deixam desconcertados, com um certo incômodo e isso é feito propositalmente.
Toda a falta de cenário, nos últimos atos, fala através de luzes e sombras, num golpe de genialidade do diretor e da equipe técnica.

E no meio disso tudo, o único personagem que parece estar ao lado de Grace é Thomas Edison Jr.
Na verdade, ele talvez seja o mais esperto e o único verdadeiro hipócrita de todos, porque o benefício que Grace traz a ele não é de ordem material.
Ele finge estar indignado com a situação cruel de Grace e afirma que encontrará uma solução para a jovem e para o fim de seu suplício.
Para ele, ela é a amiga e a inspiradora de suas inúteis teorias filosóficas.
Se os outros habitantes de Dogville podem ser comparados com ratos, Thomas seria uma espécie de verme, de parasita, destruindo Grace por dentro, parasitando e corroendo suas crenças e esperanças.

Mas o curioso é que Grace aceita em silêncio seu martírio.
Por quê?

Porque crê firmemente que faz a coisa certa.
Como Cristo, que pede ao Pai na Cruz: “Perdoai-os porque eles não sabem o que fazem”, Grace acredita também que eles não sabem o que fazem....porque são pobres, são simples, são uns coitados, uns humildes desventurados, desprezados pelo mundo e que não tiveram oportunidade de crescer como seres humanos, oportunidade essa que ela, Grace, teve na vida.
É uma forma de má interpretação das palavras do Mestre.

A ideologia de Grace é a causa de toda sua tragédia, misturada a uma certa prepotência e ao Complexo de Salvadora, talvez.

Quantos de nós temos nossas Dogville na vida; quantas vezes estendemos a mão para as pessoas erradas, porque julgamos que são dignas de ajuda, porque tiveram uma vida difícil, porque foram injustiçadas pela sociedade, pelo mundo, por Deus ou pelo Diabo?
Quantas vezes abrimos nosso coração, nossa mente e também nossos bolsos para amparar pessoas manipuladoras e choramingas?
Quantas vezes enxergamos beleza, autenticidade, inteligência, irreverência, profundidade, graça e espontaneidade onde nunca existiram, a não ser em nossos olhos ingênuos; quantas vezes não vimos isso em pessoas que no máximo são porcos disfarçados de gente?
Quantas vezes aturamos um discurso retrógrado e hipócrita, de que a pobreza e a falta de instrução são sinônimos de bom caráter e de santidade?

Que aqueles que nasceram em berço de ouro deverão ser punidos para o resto de suas vidas; os que estudaram deverão ser merecedores da masmorra e que o conhecimento, o amor e a amizade devem ser dados a todos, mesmo que sejam ratos se fingindo de humanos?

A atitude arrogante de Grace é, na verdade, a contramão do Ocultismo.

Como dizia o Mestre Eliphas Levi: "Podem publicar, divulgar e até revelar alguns segredos da Arte do Ocultismo, porque poucos, muito poucos mesmo compreenderão o mínimo necessário."

E certamente nem estarão dispostos a seguir em frente!!
O conhecimento de certas coisas não pode ser oferecido a qualquer um.

É preciso uma luz interior para iluminar as ferramentas que serão usadas para se atingir a Luz Maior e pouquíssima gente sobre essa Terra possui essa luzinha suficiente.
Já podem se sentir felizes aqueles que possuem dentro de si uma chama pequena como a de um fósforo aceso, porque nos tempos atuais, de materialismo e escuridão espiritual isso já é uma grande coisa.

Outra lição que se pode tirar do filme é a de que também não se pode e nem se deve forçar alguém destituído dessa mínima luz que veja o que tem que ser visto, nem tentar avivar chamas internas que ainda estão muito adormecidas.
Muita gente, como os habitantes de Dogville, sente-se incomodada quando percebe que ainda deve aprender muito nessa vida e isso fere o orgulho feroz que mora em suas almas pequenas.
É necessária muita humildade, coisa rara nesse mundo de competições e de egocentrismo, para que a evolução de cada um se faça de maneira plena e edificante.

Porque Grace, através de um suposto bem, pratica uma grande injustiça, um grande mal, contra si e contra os habitantes de Dogville.
Através da benevolência direcionada àqueles que não a mereciam, ela é humilhada pelo ódio e pela inveja e desperta o pior que há dentro daqueles seres, que até então se julgavam felizes e satisfeitos com suas vidas.

É a prepotência da caridade de Grace.
Ela possuía esse direito? De querer, através de sua ética pessoal, "iluminar" pessoas que não pediram isso?
De esperar gratidão, compreensão ou ética de pessoas incapazes dessas atitudes?

Alguns dirão que o bem deve ser feito a qualquer um.
Tenho dúvidas quanto a isso.
Primeiro porque questiono o que vem a ser “um bem”.
E quando somos prejudicados pelo "bem" que praticamos, que justiça há nesse ato?
Qual o valor moral acima de todas as cabeças?
Sacrificar-se por pessoas que não valem à pena é ato de heroísmo ou de falta de amor a si mesmo?
E como saber, por outro lado, quem é digno de ajuda, de compreensão e de receber conhecimento, se esse merecimento não está estampado na testa das pessoas?
Como responder a essas questões?

Embora extraído e transferido de seu contexto original, não consegui encontrar palavras melhores para nos indicar isso do que aquelas palavras ditas por Jesus de Nazareth, no célebre Sermão da Montanha:

“Não deis aos cães o que é santo, nem lanceis aos porcos as vossas pérolas, para não acontecer que as pisoteiem e, voltando-se, vos despedacem.”
“Assim, toda árvore boa produz bons frutos; porém a árvore má produz frutos maus.....
....Portanto, pelo seus frutos, os conhecereis.....”

18 de junho de 2010

A Lua e os Caminhos da Noite





   “Para ser grande, sê inteiro: nada
       Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim, em cada lago a Lua toda
Brilha, porque alta vive.”
-Ricardo Reis- (Fernando Pessoa)


“Disseram-me um dia que só os insensatos partiam em viagens noturnas.
Que todos os barcos, todas as viagens pereciam nas madrugadas.
Covardemente acreditei.
E hoje tenho um eterno náufrago à minha porta.”
( Carlos Montez)


É noite de Lua Cheia e no céu Ela reina absoluta.

Não há estrelas e parece ser uma noite morna, talvez até sufocante e um céu imenso, em campo aberto, forma uma amálgama com o infinito da paisagem.
Há um caminho, uma espécie de trilha, guardada por duas torres ao fundo e um lobo e um cão se posicionam como vigias dessa única passagem.
Próximo existe um lago, onde um caranguejo repousa....ou será que também espreita quem passa?
Não há mapas, nem guias, nem mesmo caravanas passam para fazer alguma companhia ou responder a alguma pergunta.

Não. Ninguém há ali.

O viajante está só e possui apenas duas opções: sentar-se com os cães e esperar a aurora ou continuar seu caminho, apesar do medo que ele deve sentir, apesar da imensa solidão, do mistério e da incerteza.

 E ir em direção à Aurora.

Se ele optar por sentar-se, o que farão os cães? E o imprevisível caranguejo?
A essa hora da noite tudo indica que a viagem solitária será longa...

O Arcano nº 18 do Tarot, a Lua, é o mais sombrio e um dos mais profundos e belos das 22 Lâminas Maiores.

Não há personagem humano nessa carta....talvez porque os cabalistas que a projetaram quisessem realmente que, com nossos olhos desprotegidos, nos sentíssemos esse viajante solitário e supostamente abandonado.

Porque as viagens, quase sempre, nos parecem mais seguras durante o dia, porque contamos sempre com aquela luz externa, representada pelo Sol, com seu brilho próprio, isto é, por tudo o que vem de fora de nós, pelas luzes e lâmpadas exteriores que nos trazem uma sensação de conforto e de proteção.

As viagens ensolaradas dão a impressão de que não haverá predadores, nem medo, nem dificuldades e de que sempre poderemos encontrar alguém pelo caminho, para conversar, dividir um alimento, indicar rotas, aproveitar o dia e quando o temido crepúsculo chegar, simplesmente repousarmos nossas cabeças sob um canto seguro e esperar a chegada da manhã e sua claridade.

Esses nossos sóis cotidianos podem ser a família, a sociedade, os grupos dos quais fazemos parte, nossos costumes e hábitos que são, na maior parte das vezes, todos eles, auxiliares para a direção de nosso ego.
Fazem parte de nossa consciência, daquilo que temos por conhecido e revelado.
São também, na esfera de nosso Espírito, num plano mais profundo, a sabedoria que jorra sobre nossas cabeças, através de mestres, professores ou de pessoas que já passaram por certas trajetórias e que nos servem de guia em nossas próprias trilhas.

Mas aqui a viagem proposta é outra.
E ela é necessária e deve anteceder essas estradas guiadas.

Então, vamos voltar à imagem da carta.

Sentar-se ou prosseguir no caminho...

Estará o viajante assim, tão solitário como pensa estar?
O que esses três animais querem dizer?
O que as torres indicam?
E a Lua, acima em toda a cena?

A Lua, nas raízes do inconsciente coletivo é a força passiva, o pólo feminino, o inconsciente, a intuição, o sentimento, a mãe, a proteção, a fantasia, o sonho, o Guia Interior e o Oculto.
Ela não representa, como o Sol, nosso ego, nossa consciência, nossos condicionamentos e os portos-seguros que construímos ao longo da vida.
Ao contrário: esse arquétipo é tudo o que mora dentro de nossa alma e que só nos surge, visível assim, nessas situações, nessas Viagens Arcanas, sob sua luz, sem rotas com faróis exteriores, sem mapas, sem placas, ou seja: uma viagem sob a Lua é a maior chance de nos conhecermos realmente.

É exatamente na solidão que a sombra da noite silenciosa nos proporciona, é aí e em nenhum outro momento que poderemos contar com o único guia que temos por perto, o Guia Interior.

O arquétipo da Lua é a Iluminação de dentro, aquela que usamos quando as coisas não estão “claras como a luz do sol”; quando nossa lógica, nossa mente racional já não mais nos ajuda.

Quando estamos perdidos na imensidão de nós mesmos...

Porque somos povoados por tantas pessoas que brigam dentro de nós, que querem coisas contrárias, que exigem que nosso ego, o mediador e senhor dessas cidades internas, tome uma posição diante desses conflitos.

Então é preciso realizar essas jornadas interiores, contando com nossos instintos (os mais dóceis, do cão, e também os mais selvagens, do lobo); olhar para o passado, para tudo que já realizamos, para os sonhos ainda submersos no lago (o caranguejo); olhar para a frente, para as cidades além de nossa visão ( as torres) e usando sempre nossa habilidade de enxergar as coisas em situações noturnas e confusas.

A Lua nos inspira, incita um outro olhar sobre a paisagem: aquela segurança dos dias de sol....poderá também ser ilusória....temos que nos lembrar sempre disso.
Aquelas companhias de viagens diurnas podem ser efêmeras, mas nunca será passageira a companhia que a Lua, lá de cima, nos pede para dar atenção, sempre: a própria Alma.

Depois dessa viagem interior, se for realizada com tranquilidade, livre de medos e atentos aos perigos das ilusões, a Lua, nossa guia, terá apontado o tempo todo que estamos perto de encontrar nossa individuação, o casamento alquímico de todos os aspectos que residem dentro de nós.

E esses aspectos contrários não serão mais motivo de medo.
Encontrarão, com o sorriso benevolente da Lua, a paz e a integração.
Os dois pilares da personalidade, nossas torres, estão bem posicionados e precisamos passar por eles.
São nossas fortalezas interiores que esperam nosso encontro.

Estamos na 18º Passagem, perto do Mundo, o último Arcano.
Então, confie em sua Luz Interior, em sua Lua enorme que te guia.
Ela revela sua essência, você sem rótulos, sem críticas externas e sem as luzes e holofotes que vêm de fora.

Com coragem, você não se sentou com os cães à espera da manhã e seguiu o caminho que já esperava por você.
O caminho para si mesmo. Como todo herói.

Não vieram as caravanas e você não dividiu alimento com algum passante; ninguém te deu mapas, nem repouso.
Não houve farol nem companhias: e você acabou conhecendo alguém tão diferente e especial nessa estrada...

Porque a solidão que parecia ser tão aterrorizante era também uma ilusão.
Era um encontro único e mágicko.

Os caminhos da noite não são solitários e estar com a própria Alma, com os sentimentos, a intuição e os próprios sonhos é a mais incrível e insubstituível das companhias.
Boa Viagem!!

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